Archive for January, 2015

Estudando a relação entre doenças e mudanças climáticas

Written by Ricardo Aguiar on January 27th, 2015. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Curso promovido pelo ICTP-SAIFR abordou a influência do clima sobre a dinâmica de patógenos

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Se estudar parasitas, vírus, bactérias e sua relação com os organismos que atacam já não é tarefa simples, adicionar o clima à equação a torna ainda mais complicada; e interessante. A “Escola em Dinâmica de Patógenos, Mudanças Climáticas e Globais” tentou levar a alunos de pós-graduação técnicas de como modelar, matematicamente, a influência do clima sobre agentes causadores de doenças. A Escola, que já era realizada habitualmente no ICTP-Trieste, foi realizada esse ano pela primeira vez na América do Sul entre os dias 12 e 23 de janeiro.

Assim como a Escola em Biologia Matemática, realizada no início do mês, o curso contou com aulas teórica e práticas. Os alunos desenvolveram projetos em grupos e apresentaram seus resultados ao final. Além disso, tiveram a oportunidade de conhecer e interagir com pesquisadores internacionais de destaque em suas áreas, como os organizadores do evento Andrew Dobson, da Universidade de Princeton, Graciela Canziani, da Universidad Nacional del Centro (Argentina), Mercedes Pascual, da Universidade de Chicago e Giulio de Leo, da Universidade de Stanford.

Parasitas

“Nós sabemos muito sobre parasitas, mas raramente pensamos neles como grandes componentes da biodiversidade”, afirma Dobson.

Dobson é biólogo e um de seus principais interesses são parasitas. Segundo ele, esses animais que vivem às custas de seus hospedeiros são muito mais comuns na natureza do que imaginamos. Mais comuns, até mesmo, do que animais de vida livre. Por exemplo: há estudos que sugerem que há cerca de 75 mil espécies de parasitas helmintos de vertebrados (vermes, como a tênia), enquanto o número de vertebrados hospedeiros seria em torno de 45 mil. Em outras estimativas, o número de parasitas poderia ultrapassar 300 mil.

Esquecer dos parasitas pode distorcer muito nossa percepção da natureza. Quando pensamos em uma cadeia alimentar, por exemplo, visualizamos uma pirâmide: na base, os produtores; logo acima, em menor número, os herbívoros; e no topo, em número ainda menor, os predadores. Mas, quando levamos os parasitas em consideração, as relações são drasticamente afetadas.

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Representação tridimensional de uma cadeia alimentar. Cada esfera representa uma espécie: as amarelas são parasitas e as vermelhas são de vida livre.

“O padrão que conhecemos é quase que totalmente invertido”, diz Dobson. “Com a inclusão de parasitas, os predadores de altos níveis tróficos passam a ser vistos como ‘alimento’ para uma grande diversidade de parasitas”. Geralmente, quanto maior o nível trófico de uma espécie, maior a sua quantidade de parasitas, pois maiores são as chances de consumir um animal parasitado.

A seleção natural também fez com que muitos parasitas pudessem continuar seu ciclo de vida dentro do organismo hospedeiro. Em alguns casos, eles conseguem até modificar o comportamento de uma presa para que ela fique mais acessível a um predador, aumentando a eficiência da transmissão. Um parasita que consome parte dos nutrientes de seu hospedeiro, por exemplo, faz com que ele fique com mais fome e busque comida com maior frequência, aumentando sua exposição a predadores.

Os modelos matemáticos que estudam o ciclo de vida de patógenos e seus métodos de transmissão podem nos ajudar a compreender melhor as doenças, tentar prever e evitar surtos e epidemias causados por esses parasitas – animais muitas vezes esquecidos, mas que sorrateiramente tem um impacto na natureza muito maior do que imaginamos.

Efeitos do clima

O trabalho de Graciela Canziani é um exemplo da aplicação prática de tais modelos. A pesquisadora estuda o parasita bovino Ostertagia ostertagi.

“Parasitismos gastrointestinais são doenças que têm um grande impacto econômico na produção de carne bovina na Argentina”, diz ela. “Apenas na região dos Pampas Argentinos, é estimado que cerca de US$ 22 milhões são gastos anualmente devido à morte de bezerros, e US$ 170 milhões são gastos em tratamentos clínicos”.

Ciclo

Canziani desenvolveu um modelo para observar como mudanças climáticas afetam o parasita. Seu objetivo era descobrir qual a melhor época para se aplicar o medicamento que combate o patógeno, para reduzir custos e aumentar a eficiência dos tratamentos. Fatores como a temperatura, as taxas de precipitação e a estação do ano poderiam prejudicar ou favorecer o desenvolvimento do parasita, que tem um estágio de vida livre.

O que a pesquisadora descobriu foi que as taxas de infecção dos bois variavam de acordo com a latitude e com a época do ano. O clima, portanto, deveria ser um fator determinante. O estudo está agora sendo testado na prática.

“Estamos fazendo testes há um ano e ainda temos mais um ano pela frente”, diz a pesquisadora. “Nossos resultados preliminares, entretanto, são muito animadores. Os medicamentos, quando aplicados na época de maior probabilidade de infecção pelo parasita, têm se mostrado bem mais eficientes”.

Rafael Porto, novo pesquisador do ICTP-SAIFR, fala sobre suas linhas de pesquisa

Written by Ricardo Aguiar on January 21st, 2015. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Com bolsas da Simons Foundation e da Fapesp, Porto terá uma posição similar à chamada de Tenure Track nos Estados Unidos e estudará Cosmologia e Física de Partículas 

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Conversei essa semana com Rafael Porto, o mais recente pesquisador do ICTP-SAIFR.  Porto chegou ao Brasil há menos de uma semana e já começou a trabalhar. Antes disso fazia pós-doutorado no Instituto de Estudos Avançados de Princeton, nos Estados Unidos, mas foi atraído pela oportunidade de fazer parte do ICTP-SAIFR. Além disso, como é uruguaio, foi uma chance de voltar para mais perto de casa.

“A ideia do ICTP é promover a pesquisa em ciência básica em países menos desenvolvidos”, diz ele. “Então, além de estar em um ótimo ambiente para se fazer pesquisa e promover a ciência na América do Sul, também posso estar mais perto da família”.

Tenure-track

A posição que Porto irá ocupar, na verdade, ainda não é permanente. É similar à chamada de Tenure Track nos Estados Unidos. Ela é fruto de duas bolsas conquistadas pelo ICTP-SAIFR, em janeiro de 2014, da Simons Foundation – uma instituição norte-americana que promove pesquisa em ciência básica e matemática ao redor do mundo.

O sistema, não muito comum no Brasil, funcionará assim: o pesquisador receberá, ao longo dos próximos dois anos, uma bolsa conjunta da Simons-Fapesp para realizar seus projetos de pesquisa. Durante esse período, estará em constante avaliação e terá a oportunidade de ser efetivado. A vantagem desse método de contratação, para as universidades ou institutos de pesquisas, é a chance que eles têm de conhecer o pesquisador antes de efetivá-lo.

Pesquisa

Um dos principais interesses de Porto está na área de Física de Partículas e Teoria de Campos Efetiva. O pesquisador buscará entender quais foram as condições iniciais do universo que fizeram com que as grandes estruturas cósmicas, como as galáxias, se formaram e se distribuíram da maneira como nós as vemos hoje.

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Galáxia de Andrômeda. (Crédito: NASA/Swift/Stefan Immler (GSFC) e Erin Grand (UMCP)

Segundo o pesquisador, se o universo estivesse distribuído de maneira uniforme as galáxias não existiriam – não haveria regiões de maior densidade de matéria e outras sem matéria alguma.

“Achamos que durante o período de Inflação, que ocorreu logo após o surgimento do universo e que é caracterizado por uma rápida expansão, houve algum tipo de perturbação que permitiu a formação das estruturas que observamos hoje”, afirma Porto. “Mas quais são os mecanismos que causaram essa perturbação?”

Uma das maneiras de se tentar chegar às respostas é estudando a radiação cósmica de fundo. Essa radiação é proveniente do início do universo, portanto pode oferecer pistas sobre esse tempo. Ela surgiu quando, logo após o surgimento do universo, os fótons deixaram de ser “presos” por elétrons e prótons e passaram a viajar livremente pelo espaço.

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Flutuações na radiação cósmica de fundo, detectadas pelo satélite COBE (Cosmic Background Explorer).

“Meu trabalho, então, será aplicar ideias originalmente desenvolvidas em Física de Partículas, de pequenas escalas, para estudar e entender a dinâmica de grandes escalas, como a de galáxias e do universo”.

Somando matemática à biologia para estudar a natureza

Written by Ricardo Aguiar on January 14th, 2015. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Entre os dias 5 e 11 de janeiro, ICTP-SAIFR realizou a quarta edição da Escola em Biologia Matemática

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Os professores Roberto Kraenkel (esquerda) e Paulo Inácio Prado (direita).

A Escola em Biologia Matemática promovida anualmente pelo ICTP-SAIFR já se tornou uma referência em toda a América Latina. Idealizada e organizada por Roberto Kraenkel, físico do IFT/Unesp, ela chegou à sua quarta edição internacional na última semana. O curso busca unir alunos de graduação e pós-graduação, brasileiros e estrangeiros, das áreas de biologia, matemática e física. Com aulas teóricas e projetos práticos, estimula a pesquisa e a formação de novos profissionais em um campo que está em pleno crescimento.

“Nos últimos anos, a Biologia Matemática aumentou muito no Brasil”, afirma Kraenkel. “Podemos observar isso pelo número de revistas especializadas e pelo número de cientistas importantes que estão trabalhando nessa área”.

O curso

Um dos motivos para essa expansão é o fato da Biologia precisar, cada vez mais, da matemática para entender a natureza. Ecologia, evolução e epidemiologia, temas que são o foco do curso,  usam modelos matemáticos com uma frequência cada vez maior.

Por exemplo: o que acontece quando duas espécies competem entre si por um recurso?

Um exemplo clássico de aplicação da Biologia Matemática foi o estudo da introdução da formiga Argentina (Linepithema humile) na Califórnia. A nova espécie passou a competir com a espécie local (Pogonomyrmex californicus) e, eventualmente, a levou à extinção.

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A dinâmica de populações de uma mesma espécie e a relação entre presas e predadores também são temas abordados ao longo do curso. Além disso, os alunos aprendem sobre epidemiologia. Kraenkel comentou sobre um de seus trabalhos na área.

“Em um estudo realizado na Mata Atlântica, verificamos que a biodiversidade pode ajudar a controlar a malária, evitando, até mesmo, uma epidemia da doença naquela região”, diz ele.

Pesquisa e formação

Além de aulas teóricas, os alunos aprendem sobre Biologia Matemática na prática. Em grupos, e com a ajuda de monitores, eles desenvolvem projetos e o apresentam ao final do curso. Em edições anteriores, um dos trabalhos apresentados chamou a atenção de um professor estrangeiro convidado e foi publicado na revista científica “Ecological Complexity”.

“É uma história interessante”, conta Paulo Inácio Prado, biólogo da universidade de São Paulo e um dos organizadores da Escola. “Convidamos o professor Frithjof Lutscher, da Universidade de Ottawa, para participar da Escola. No dia da apresentação dos projetos, ele gostou muito do trabalho e disse que poderia ser publicado. Depois do final do curso, continuou ajudando os alunos e o projeto se tornou um artigo”.

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Alunos da Escola discutem sobre o projeto em grupo.

Para ver outros projetos desenvolvidos na Escola, clique aqui.

Além do incentivo ao desenvolvimento de pesquisa na área, o curso também estimula a formação de novos profissionais. “Convidamos alunos de cursos anteriores para serem monitores dos próximos”, diz Prado. “Assim, encorajamos também a permanência deles na área e a formação de novos pesquisadores em Biologia Matemática”.

Biólogos nas ciências exatas

O caráter interdisciplinar do curso – cerca de metade dos alunos são biólogos e cerca de metade físicos ou matemáticos – levanta a questão: os biólogos tem dificuldade para entender toda a matemática usada durante o curso?

“Durante um curso de graduação em Biologia, a formação na área de matemática deixa muito a desejar”, afirma Prado. “Os alunos que selecionamos para a Escola são sempre muito qualificados, fazem cursos em matemática e sabem, ao menos, fundamentos de Cálculo e Álgebra Linear. Porém, o déficit de matemática nas graduações em Biologia nos faz pensar que, nos próximos anos, talvez seja necessária uma mudança no currículo desses cursos”.