Archive for February, 2015
Resenha: “O Cerne da Matéria – A aventura científica que levou à descoberta do Bóson de Higgs”, de Rogério Rosenfeld
O físico do IFT/Unesp e do ICTP-SAIFR conta de uma perspectiva única, para cientistas e não cientistas, a fascinante história que culminou na descoberta do Bóson de Higgs
Em 4 de julho de 2012, o Large Hadron Collider (LHC), acelerador de partículas do CERN, anunciou a descoberta do Bóson de Higgs. Na sala da Divisão de Teoria, Rogério Rosenfeld, que passava um ano sabático no laboratório europeu, acompanhava ao vivo o evento histórico. O livro que estava escrevendo durante sua visita ganhava um emocionante capítulo. Em “O Cerne da Matéria – A aventura científica que levou à descoberta do Bóson de Higgs”, lançado em 2013 e 2º lugar do Prêmio Jabuti 2014 na categoria Ciências Exatas, Tecnologia e Informática, não apenas temos a oportunidade de conhecer a perspectiva de quem estava dentro do CERN naquele ano, mas também aprendemos, com uma linguagem compreensível a todos, sobre a história da Física de Partículas e sobre a evolução dos aceleradores, que culminou em uma das mais importantes descobertas da ciência.
“Na época em que estava decidindo onde passar o ano sabático, ainda havia muita incerteza sobre o CERN”, diz Rosenfeld. “Em 2008, ocorreu um grave acidente que adiou o início das atividades do LHC em mais de um ano. E, em 2010, quando começou a funcionar, seu desempenho foi muito abaixo do esperado. Muitos estavam pessimistas. Mas o que aconteceu lá nos anos seguintes superou a expectativa de todos”.
Nessa resenha, destacarei alguns dos muitos aspectos interessantes de “O Cerne da Matéria”.
A história da Física de Partículas – A transição entre o estudo de raios cósmicos e os aceleradores
Antes de falar sobre aceleradores e o Bóson de Higgs, o livro nos conta um pouco da história da Física de Partículas.
A pergunta fundamental que essa área tenta responder é: do que é feito o universo? Quais são as partículas mais fundamentais da natureza, aquelas que compõe toda a matéria e explicam todas as forças? Os aceleradores de partículas são atualmente o melhor método para tentar responder essas perguntas, mas como eram os estudos da área antes deles?
“Os aceleradores começaram a ser desenvolvidos na década de 1930”, fala Rosenfeld. “Antes disso, a busca por novas partículas se dava pelo estudo de raios cósmicos – era preciso esperar a incidência desses raios na atmosfera terrestre para tentar detectar novas partículas”. O processo era lento e difícil de replicar.
Já nos aceleradores, a ideia é arremessar partículas em altas velocidades e energias umas contra as outras, dentro de um sistema extremamente controlado. A colisão de partículas, como prótons, pode gerar novas partículas, como quarks, que são detectadas e estudadas. A construção de um acelerador, entretanto, é um processo complexo e exige um planejamento de longo prazo.
A evolução dos aceleradores de partículas
Rogério Rosenfeld nos conta que o primeiro acelerador de partículas, construído em 1931 por Ernest O. Lawrence e chamado de Cíclotron, usava uma energia de 2 mil volts para acelerar prótons a uma energia de 80 mil elétron-volts (80 keV). O aparelho tinha um diâmetro de 11cm. O LHC, em 2012, acelerou prótons a uma energia de 4 TeV em seus túneis de 27km de extensão. Isso é 50 milhões de vezes mais do que o Cíclotron construído por Lawrence.
Para obter tal energia, o campo magnético do LHC chega a 8,4 Tesla, cerca de 100 mil vezes maior que o campo da Terra. Os 1232 eletroímãs responsáveis por gerar esse campo pesam 35 toneladas cada e são mantidos a uma temperatura de 271,3 oC abaixo de zero, para evitar perda de energia devido à resistência elétrica.
Em “O Cerne da Matéria”, Rosenfeld nos mostra toda a evolução de ideias e de tecnologia que possibilitaram a construção do faraônico LHC – isso tudo sem esquecer dos aspectos políticos e econômicos: a forte competição entre Europa e Estados Unidos pelo melhor acelerador de partículas do mundo e a corrida pela descoberta do Bóson de Higgs.
A descoberta do Bóson de Higgs, o Modelo Padrão e o futuro da Física de Partículas
O Bóson de Higgs era a última peça de um quebra-cabeça, a última partícula que faltava para que o Modelo Padrão ficasse completo. O modelo previa a existência do Campo de Higgs, que seria o responsável por dar origem à massa de todas as partículas elementares. Com a confirmação de que a partícula desse campo realmente existe, o quebra-cabeça está montado, a teoria está completa.
Além do Campo de Higgs, o Modelo Padrão também explica três das quatro forças da natureza – o eletromagnetismo, a Força Forte e a Força Fraca. Entretanto, há fenômenos que o modelo não consegue explicar. A gravidade, por exemplo, não está contida nele. A matéria escura e a energia escura, que juntas compõe aproximadamente 95% do universo, também não são explicadas.
Um dos maiores desafios da Física é conciliar a explicação de todos esses fenômenos. Esse é o objetivo de teorias como as supersimétricas, a Teoria das Cordas e a teoria do Higgs composto.
“Não existe nenhuma evidência de desvio do Modelo Padrão em aceleradores de partículas”, diz Rosenfeld. “Não há evidências de que a Teoria das Cordas esteja correta nem de que o Bóson de Higgs seja composto. Achava-se que a supersimetria seria descoberta com o LHC, pois uma de suas previsões é a existência de partículas supersimétricas para cada partícula do Modelo Padrão. Porém, isso não aconteceu. Se elas existirem, tem uma massa maior do que é possível detectar atualmente. O LHC será ligado de novo em meados desse ano, com uma energia de 13 TeV. Não sei dizer se novas partículas serão descobertas. Só posso dizer que espero que sim”.
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A teoria da Relatividade Geral precisa ser modificada?
Cem anos após sua criação, cientista sugere que a teoria talvez precise de alterações para melhor explicar o universo
Scott Dodelson é pesquisador do FermiLab (Fermi National Accelerator Laboratory) e professor de astronomia e astrofísica na Universidade de Chicago. É autor de mais de 130 artigos científicos e do livro “Modern Cosmology”. Nessa entrevista, o cientista fala sobre como a teoria da Relatividade Geral talvez precise ser modificada para que possa explicar melhor o universo.
Professor Dodelson, quais são suas principais linhas de pesquisa e como a teoria da Relatividade Geral se relaciona com sua área de trabalho?
Eu trabalho com a análise de dados coletados em grandes telescópios. Isso inclui, por exemplo, dados de telescópios ópticos, como os utilizados em experimentos de energia escura, e também dados de experimentos de radiação de fundo.
Esses dados fornecem informações sobre a evolução do universo. A maior parte desse trabalho é feito com base nas ideias teóricas da Relatividade Geral. Porém, não conseguimos explicar tudo usando essa teoria. Quando tentamos, surgem anomalias. E essas anomalias têm se mostrado bastante frutíferas na geração de novas ideias.
Por que não é possível explicar todos os dados usando a Relatividade Geral?
A teoria não funciona com o tipo de matéria que conhecemos. A Relatividade Geral prevê, por exemplo, que o universo deveria estar desacelerando, e não acelerando. De modo similar, se olhamos a órbita de estrelas em torno de galáxias, a Relatividade Geral prevê que as mais distantes do centro deveriam se mover mais devagar em relação às mais próximas. Porém, observações mostram que todas as estrelas se movem, aproximadamente, com a mesma velocidade. Essas diferenças são, geralmente, atribuídas à energia escura e à matéria escura.
Algumas décadas atrás, a Física descobriu que apenas cerca de 5% do universo é formado por matéria como a conhecemos. O restante seria composto por energia escura e matéria escura – cerca de 68% e 27%, respectivamente. O que são energia escura e matéria escura?
Matéria escura e energia escura são maneiras de entender as anomalias que citei na primeira resposta. Na verdade, elas podem nem mesmo existir. Pode ser que a nossa compreensão da gravidade esteja errada. Pode ser que a teoria da Relatividade Geral precise ser modificada para que, então, possamos entender os dados. Atualmente, uma pergunta fundamental é: será que precisamos modificar a teoria da gravidade ou será que essas novas substâncias realmente existem?
E como podemos responder essa pergunta?
Obtendo mais dados. Conforme conseguimos mais informação sobre o universo, somos mais capazes de olhar para o passado e entender como galáxias e conglomerados de galáxias evoluíram. Veremos, então, se os dados são consistentes com a Relatividade Geral ou com modelos de gravitação modificada. No caso da aceleração do universo, por exemplo, temos diversos modelos que foram desenvolvidos nos últimos cinco anos que já conseguem prever essa aceleração, mas que ainda não conseguem prever exatamente como as galáxias se formam.
Na sua opinião, ainda estamos longe da resposta?
Acho que ao longo da próxima década teremos respostas cada vez mais precisas. Conforme fazemos experimentos em escalas maiores, a margem de erro diminui e poderemos eliminar alguns modelos de gravitação modificada.
Seria possível formular uma teoria que unifique a Relatividade Geral com a Mecânica Quântica?
Eu não sei. Muitas pessoas passaram muito tempo trabalhando nisso nos últimos 30 anos, especialmente na área de Teoria de Cordas. Os tipos de resultados obtidos, porém, não foram aqueles que esperávamos. Entretanto, há muitos bons cientistas que acreditam na importância de se continuar trabalhando nisso.
A conciliação das duas teorias, na verdade, é um problema teórico. Não há observações que exijam que elas sejam conciliadas. Nós apenas gostaríamos de uni-las. Como são incompatíveis em escalas microscópicas, fazer com que funcionem juntas seria muito interessante.
Um grande triunfo da Física é sua habilidade de explicar uma abrangente gama de fenômenos com apenas algumas poucas leis básicas. Esse reducionismo atingiria o seu limite extremo se todas as leis pudessem ser unificadas em uma única teoria. Até hoje nós não atingimos esse limite, mas muitas pessoas estão tentando atingi-lo. O problema é que, na maioria dos casos, a unificação de ideias é difícil, quando não é impossível, de se testar.
*Publicado no Caderno Fórum do Jornal da Unesp, número 307, edição Janeiro/Fevereiro 2015.
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“Pela primeira vez, podemos afirmar: há matéria escura entre o Sol e o centro da nossa galáxia!”
Fábio Iocco, do IFT/Unesp e do ICTP-SAIFR, é o primeiro autor de um artigo que comprova a presença de matéria escura nessa região do universo
A matéria escura, que vem intrigando os cientistas nas últimas décadas, definitivamente existe também entre o Sol e o centro da Via Láctea. O artigo, “Evidence for dark matter in the inner Milky Way”, publicado hoje na conceituada revista científica Nature Physics, verificou esse fato com altíssima precisão. Essa comprovação pode ser um importante passo para uma melhor compreensão do que é a matéria escura e de como é a sua distribuição no universo.
“As velocidades com que estrelas e outros componentes visíveis da galáxia giram em torno do seu centro é diferente da velocidade calculada com base na quantidade de matéria que conseguimos ver”, diz Iocco. “Então deve existir matéria que não conseguimos ver, a matéria escura”.
Para chegar a essa conclusão, o trabalho de Iocco foi realizado em duas partes. Primeiro, ele e seus colaboradores analisaram as velocidades reais de rotação de estrelas em torno do centro da galáxia para inferir a massa total da Via Láctea. Depois, previram qual deveria ser essa velocidade, baseados na força de gravidade exercida por toda a massa visível da galáxia.
Os cientistas, então, compararam as duas velocidades. Mesmo levando em conta uma grande margem de erro, as velocidades previstas eram muito menores do que as velocidades reais. Assim como acontece em outras galáxias em espiral, há menos massa visível do que massa total. Isso significa que há massa que não conseguimos ver, ou seja, matéria escura, nessa região analisada. Na verdade, a quantidade de matéria escura pode ser até cinco vezes maior do que a quantidade de matéria visível.
“Pela primeira vez, podemos dizer com certeza que há matéria escura entre o Sol e o centro da Via Láctea”, diz Iocco. “Acredito que nosso trabalho contribuirá com experimentos que buscam compreender o que a matéria escura realmente é e como ela está distribuída no universo”.
O que é matéria escura?
Quando pensamos em uma galáxia, o formato que nos vêm à mente é o de uma galáxia em espiral. É o formato da Via Láctea. Vista de cima, se assemelha a um disco do qual partem vários braços, como um ventilador que tem hélices curvadas.
O que muitas vezes esquecemos é que toda essa estrutura, incluindo estrelas e nuvens de gás, está em constante rotação ao redor do próprio centro. A velocidade com que cada parte da estrutura gira depende da distância que está do centro. Mais especificamente, depende da quantidade de massa que existe entre elas e o centro. A massa exerce força gravitacional, e a força gravitacional gera velocidade. Quanto mais massa, mais força, e maior a velocidade.
Nas décadas de 70 e 80, cientistas começavam a fazer experimentos para medir a massa de estrelas de outras galáxias, que não necessariamente tinham o formato em espiral, e essa velocidade de rotação de estrelas. Para fazer isso, analisavam a luz que emitiam e que chegava até nós.
No entanto, encontraram um problema. A velocidade que eles observavam era diferente da velocidade prevista pelas equações. Estava faltando massa. Os físicos, então, denominaram essa massa que não conseguiam observar de matéria escura: matéria porque gera força gravitacional; e escura porque não interage com a luz – ela não emite nem absorve sinais luminosos e, portanto, não conseguimos vê-la.
Hoje, sabemos que a matéria escura existe em diversos sistemas do universo, incluindo galáxias em espiral, como a Via Láctea, e galáxias de formatos diferentes. Porém, os elementos que a compõe e o que ela é exatamente continua a ser um mistério.
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Parceria internacional em Física Teórica
ICTP-SAIFR trouxe pesquisadores de instituto canadense por 4 meses para estudar a Teoria de Campos
Chega ao fim em fevereiro uma parceria entre o ICTP-SAIFR e o Perimeter Institute, do Canadá, para estudar física teórica. A colaboração promoveu o intercâmbio, por quatro meses, de pesquisadores e alunos de pós-graduação e pós-doutorado. Durante esse período, Pedro Vieira, um dos pesquisadores do instituto canadense que veio ao Brasil, organizou eventos como o “Programa em Integrabilidade, Holografia e Conformal Bootstrap” e o “Minicurso em Teoria de Campos Quântica Avançada”.
“O intuito da parceria foi estimular a colaboração com pesquisadores internacionais”, diz Nathan Berkovits, diretor do ICTP-SAIFR. “Entre os principais objetivos, estava o estudo da Teoria de Campos”.
Nos últimos anos, com o avanço de técnicas para a resolução de problemas matemáticos, como a holografia e a integrabilidade, a Teoria de Campos voltou a ser um grande alvo de estudos da Física. Ao longo de seu curso, Vieira falou sobre as fronteiras entre o que já se sabe sobre a teoria e o que ainda está sendo investigado atualmente, também com o intuito de estimular os alunos a começarem novos projetos.
Teoria de Campos
A teoria que foi o foco dos estudos de Vieira analisa como campos, como o eletromagnético ou o gravitacional, interagem com a matéria. O termo foi cunhado pela primeira vez no século XIX, por Michael Faraday, porém utilizado mais amplamente depois das contribuições de James Clerck Maxwell, algumas décadas depois.
No início do século XX, com o desenvolvimento da mecânica quântica, a teoria começou a ser usada também para o estudo de campos quânticos. De acordo com ela, o fóton não é pensado como uma partícula, mas sim como uma excitação do campo eletromagnético. Essa excitação gera uma ondulação no campo, que se propaga como uma partícula comum. O mesmo vale para outras partículas, como o elétron, que é considerado uma excitação de um campo chamado de Dirac.
“Ainda temos muito para descobrir sobre essa teoria”, afirma Vieira. “Através dela podemos unir, da maneira mais matematicamente bem desenvolvida, elementos da Mecânica Quântica com elementos da Relatividade Geral”.
Uma das aplicações da teoria é na área de física de partículas. Em aceleradores, por exemplo, ela pode ser usada para entender o que acontece quando duas partículas colidem. O estudo de materiais e do comportamento da matéria durante a transição de fases – como do líquido para o gasoso – também podem utilizar a Teoria de Campos.
O período de parceria entre o ICTP-SAIFR e o Perimeter Institute pode ter acabado, mas a colaboração, que já rendeu um artigo para Vieira, deve prosseguir mesmo sem a presença física dos pesquisadores no Brasil. “Temos vários projetos conjuntos e continuaremos trabalhando neles no futuro”, afirma ele.
*Texto publicado no Jornal da Unesp, número 307, Janeiro/Fevereiro de 2015
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