Archive for January, 2016
Brasileiras desenvolvem software capaz de prever crises de epilepsia
Hilda Cerdeira, do IFT/Unesp, e sua filha, a engenheira Paula Gomez, venceram prêmios de inovação científica por ideia que promete facilitar o dia a dia de pacientes de epilepsia
Uma das grandes dificuldades para pacientes de epilepsia é lidar com a imprevisibilidade das crises. Elas podem acontecer a qualquer momento e quando menos se espera – não importa o local, o horário ou quantas pessoas há ao redor. Além da preocupação com possíveis acidentes, os pacientes, em ocasiões sociais, ainda podem sofrer com o estigma e com o preconceito de pessoas que não entendem a doença.
“Ainda não há no mercado nenhum aparelho que consegue prever crises”, diz Cerdeira. “Antecipá-las poderá ajudar, por exemplo, na prevenção de acidentes, pois dará ao paciente a oportunidade de sair de uma situação de risco”.
Felizmente, esse cenário pode mudar em breve graças a uma inovação brasileira. A física Hilda Cerdeira, professora voluntária da Unesp e pesquisadora aposentada do ICTP, e sua filha, a engenheira Paula Gomez, estão desenvolvendo um dispositivo capaz de informar o paciente, com minutos de antecedência, que uma crise irá ocorrer.
O projeto venceu, em novembro de 2015, o prêmio Empreenda Saúde, do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, e da Fundação Everis, e chegou a ser finalista do prêmio internacional da Epilepsy Foundation, dos Estados Unidos.
A epilepsia é uma das doenças neurológicas mais comuns em todo o mundo. Segundo dados da Organização Pan-americana de Saúde, 70 milhões de pessoas sofrem de epilepsia no mundo, das quais 6 milhões só nas Américas. De acordo com levantamento do Ministério da Saúde, o Brasil possui cerca de 228 mil casos a cada 100 mil habitantes.
“A possibilidade de detectar crises antes de acontecerem pode abrir novas perspectivas na busca de intervenções para bloquear seu aparecimento”, sugeriu Li Li Min, embaixador da epilepsia no Brasil e pesquisador do Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia (BRAINN).
APARELHO DISCRETO, ACOMPANHAMENTO CONSTANTE
A ideia do dispositivo de Cerdeira e Gomez é monitorar os sinais cerebrais de maneira contínua, acompanhando “de fora” a comunicação entre neurônios cerebrais. Isso será feito através de dois eletrodos, posicionados de maneira discreta e não invasiva na cabeça do paciente.
Os sinais serão enviados para um pequeno processador, que lembrará um aparelho auditivo, capaz de analisar os padrões cerebrais.
Quando o padrão que precede uma crise epiléptica for detectado, um alerta será enviado para o celular do paciente.
“A imprevisibilidade das crises é um dos aspectos que mais afligem as pessoas com epilepsia”, diz Li. “A possibilidade de saber quando uma crise está para acontecer permitirá a elas se prepararem e se protegerem”.
Para ajudar ainda mais quem tem epilepsia, o aplicativo conta com a opção de avisar automaticamente parentes e amigos de que a crise está vindo.
“Essa função pode ser útil para alertar pais de que uma criança terá uma crise em breve, por exemplo”, explica Gomez.
UNIÃO ENTRE FÍSICA E MEDICINA
Física e medicina podem parecer áreas bastante distantes, mas na verdade são mais próximas do que se imagina. A experiência de Cerdeira com sistemas caóticos, por exemplo, foi decisiva para a idealização e o desenvolvimento do projeto médico.
“Soube do problema quando dei uma palestra em um hospital, há cinco anos, sobre sincronização”, conta ela. “Como a epilepsia é uma condição relacionada à sincronização de neurônios, me interessei por ela e comecei a estudá-la”.
Cerdeira sabia que os padrões de crises de epilepsia podiam ser observados em exames de eletroencefalografia (EEG). Entretanto, devido à complexidade dos sinais neuronais, pesquisas médicas não conseguiam prever crises com acuidade. Cerdeira, então, se perguntou se, analisando exames de EEG, seria possível achar um padrão nesses sinais que precedesse as crises.
A pesquisadora discutiu o problema com a filha, Gomez, e elas começaram a trabalhar no projeto. Através de simulações realizadas em computador, Cerdeira e Gomez conseguiram identificar sinais característicos de um surto, que sempre apareciam antes que eles acontecessem. Para tanto, os conhecimentos em sistema caóticos foram fundamentais.
A partir desta descoberta, mãe e filha desenvolveram um software capaz de detectar tais padrões cerebrais e prever as crises epilépticas.
PREVISÃO DE LANÇAMENTO PARA 2018
As pesquisadoras contam que o software já está pronto e foi testado com dados disponibilizados na internet de 50 pacientes e cerca de 200 surtos de epilepsias focais e generalizadas.
A previsão de crises funcionou em 90% dos casos e antecipou os surtos, em média, em 25 minutos – tempo que permitiria aos pacientes adotar medidas de segurança necessárias na maioria dos casos.
“Esperamos ter o hardware pronto no segundo semestre desse ano e iniciar a fase de testes clínicos”, fala Gomez. “A previsão é que o aparelho fique pronto em 2018”.
As pesquisadoras pretendem também criar uma interface na internet para o software desenvolvido por elas. Dessa maneira, cientistas do mundo inteiro poderão mandar dados de exames para serem analisados.
“O próximo passo será conseguir um volume maior de dados e testar o dispositivo com outros tipos de epilepsia”, diz Cerdeira.
Hilda Cerdeira é, atualmente, professora voluntária do IFT/Unesp. Fellow da American Physical Society e da World Innovation Foundation, trabalhou entre 1986 e 2004 no Abdus Salam International Centre for Theoretical Physics (ICTP), em Triste, Itália, onde se aposentou. Hoje também ajuda a organizar eventos no ICTP-SAIFR, como o Workshop em Sistemas Complexos, em 2014, e a Escola em Redes Complexas e Aplicações em Neurociência, em 2015.
Quem quiser saber mais sobre o projeto pode acessar o site da Epistemic, empresa fundada por Cerdeira e Gomez para o desenvolvimento do dispositivo.
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Evento internacional discute interface entre Física e Biologia
Mesa-redonda fez parte de curso realizado pelo Centro Internacional de Física Teórica
Por Marcos Jorge – Assessoria de Comunicação e Imprensa/UNESP
O ICTP-SAIFR (Centro Internacional de Física Teórica), localizado no Campus da Unesp na Barra Funda, realizou no último dia 20 de janeiro uma mesa-redonda para discutir problemas comuns que os pesquisadores da América do Sul enfrentam nas interações entre Física e Biologia. A atividade integrou a programação um curso internacional de três semanas sobre as aplicações da Física na Biologia.
O debate começou com uma apresentação do professor Carlos Henrique Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, sobre as oportunidades que o órgão oferece aos pesquisadores brasileiros e estrangeiros, além da apresentação de alguns núcleos de pesquisa com interface entre Física e Biologia, como o CIBFar (Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos), que reúne pesquisadores da Unesp, USP e Unicamp.
Além de Brito Cruz, a mesa redonda foi composta pela professora Silvina Ponce Dawson, da Universidade de Buenos Aires, Roland Koberle, da Universidade de São Paulo – campus São Carlos – e por José Nelson Onuchic, da Rice University, dos Estados Unidos. Entre os palestrantes, há um consenso que as áreas de pesquisa envolvendo Física e Biologia estão em franco crescimento dentro da comunidade científica, porém para alguns deles esta interdisciplinaridade nem sempre é contemplada nas instâncias superiores.
Na Argentina, relata a professora Silvana, o Conselho Nacional de Pesquisa é construído conforme a ordem tradicional das disciplinas. “Pesquisas interdisciplinares que envolvem Física e Biologia passam apenas pelo conselho de Física, por exemplo. Se dentro dos nossos departamentos observamos uma mudança em direção à interdisciplinaridade, nos conselhos isso acontece de uma forma mais vagarosa”, explica.
Para Roland Koberle, o mesmo acontece no momento de aplicar projetos interdisciplinares. “Escrevemos uma proposta que balanceie Física e Biologia e imaginamos que os biologistas estarão super interessados na Física, e vice-versa, mas isso não acontece” relata o pesquisador da USP. “Os físicos dizem que a parte deles está boa, os biologistas fazem o mesmo e o conjunto da proposta não é analisado da forma que deveria. Isso diminui a nota do projeto. Entendo que é difícil organizar painéis interdisciplinares, mas precisamos caminhar nesta direção”, argumenta.
O currículo e a defasagem na formação dos alunos também foram pauta do debate. Neste sentido, os integrantes da mesa comentaram algumas experiências para lidar com a questão. Silvana Dawson lembra que a Universidade de Córdoba, na Argentina, por exemplo, oferece cursos complementares para os estudantes que ingressam em uma nova área.
José Nelson Onuchi, co-diretor do Center for Theoretical Biological Physics da Rice University, não vê problemas em alunos com defasagem de conteúdos em seu grupo. “Alguns PhDs que não tinham formação em Física tiveram que aprender coisas novas e demoraram um pouco mais para obterem seus títulos, mas hoje estão indo muito bem”, afirma. “Às vezes, dois anos no PhD não é suficiente, então você precisa entender isso e aprimorar o modelo”.
Com uma visão otimista, Onuchi destaca que em seu centro 80% dos PhDs vieram da Física, mas apenas 30% deles acabaram se tornando professores na área. Cerca 70% deles se tornaram professores em outros departamentos como Medicina, Biologia, Neurociências, etc. “Isso é algo positivo porque é uma forma de inserir a cultura da Física em outras áreas. Acho importante nós, como uma comunidade, observarmos essas tendências e notarmos como esses novos departamentos estão se formando”.
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