Archive for September, 2018
O que sabemos que não sabemos?
Segundo o físico brasileiro André Luiz de Gouvêa, os misteriosos neutrinos podem ser a chave para resolver o problema da quantidade de matéria no universo
Há uma diferença gritante entre a quantidade de massa total observada no Universo e o que é previsto pelos modelos teóricos. Medidas da radiação cósmica de fundo – um tipo de fóssil do Big Bang – indicam que há cinco vezes mais matéria que não interage com fótons do que de matéria que interage com fótons, levando os físicos a cogitarem a existência de uma matéria, que não interage com a luz; a matéria escura. Muitas teorias e experimentos em física estão sendo projetados para solucionar essa questão da cosmologia. Formado em física pela PUC-Rio, o carioca André Luiz de Gouvêa dedica-se a esse tipo de dilema. Ele teve passagens pelo Fermilab, Lafex, CERN (Suíça) e, atualmente, é professor da Universidade Northwestern, nos EUA, e membro do conselho científico do ICTP-SAIFR, desde o início de 2018. Recentemente, Gouvêa analisou a sensibilidade de grandes experimentos da física de partículas, o DUNE e o Hyper-Kamiokande, com o objetivo de detectar interações específicas de neutrinos e antineutrinos. Entre os dias 23 de julho e 3 de agosto, o pesquisador esteve em São Paulo participando da Escola de detecção de neutrinos e matéria escura, do ICTP-SAIFR|IFT-UNESP. Ele falou sobre “o que sabemos que não sabemos”, na fronteira da física de partículas e neutrinos, e ofereceu perspectivas sobre a tão esperada detecção da matéria escura.
Como foi sua trajetória entre a graduação em física e o interesse por física de partículas?
Comecei a me interessar pela parte experimental de física de partículas. As vantagens de ser experimental é que você pode contribuir mais como aluno de graduação e mestrado. Quando fui pra fora do Brasil, para o doutorado, é que comecei a trabalhar com fenomenologia, modelos super simétricos e outros temas populares. Naquela época, surgiam modelos novos de neutrinos e, então, trabalhar com teoria era interessante porque tentávamos antecipar o que as próximas experiências poderiam medir.
Os físicos pensam as partículas como objetos clássicos, como pontos e bolinhas, ou como ondas?
Em física, usamos uma linguagem matemática para descrever as partículas. E, mesmo para nós, em várias situações, as partículas lembram objetos clássicos como pontos. Toda vez que elas se manifestam de forma mais palpável nos detectores, a impressão é de que cada partícula é um ponto. Mas a matemática que se usa para traçar o caminho das partículas é ondulatória.
E os neutrinos, o que são?
Os neutrinos (e também os fótons) são as partículas mais abundantes do Universo. Há 1 bilhão de vezes mais fótons e neutrinos que prótons e elétrons! Somos bombardeados com neutrinos a uma taxa de 100 bilhões por segundo. Eles não têm carga elétrica, como os elétrons, e interagem muito pouco.
Como é então possível detectá-los?
Os neutrinos têm uma outra propriedade – associada a maneira como reagem à força nuclear Fraca – que chamamos de “sabor”. Hoje sabemos que, de acordo com os sabores, podemos classificar os neutrinos em três tipos: o neutrino-múon, neutrino-tau e neutrino-elétron. Mas chegar até isso foi um longo e árduo caminho. Na década de 60, por exemplo, as primeiras medidas do fluxo de neutrinos produzidos no Sol, não batiam com as previsões teóricas. Esse assunto só foi resolvido na virada do século quando ficou estabelecido que o neutrino pode mudar de sabor enquanto se propaga. Estes resultados responderam perguntas fundamentais que tínhamos sobre os neutrinos – “Eles têm massa?”; “Eles oscilam de um sabor para o outro?” e convidam outras perguntas mais fundamentais – “Por que eles têm massa?”; “Como eles oscilam de um sabor para o outro?”.
Quais foram os experimentos que confirmaram as propriedades dos neutrinos?
Dentre esses experimentos, estão o KamLAND e o Super-Kamiokande, ambos no Japão, e o SNO [Sudbury Neutrino Observatory], no Canadá. Com dados do SNO e do KamLAND, conseguimos explicar a questão dos neutrinos do Sol. Os primeiros resultados do Super-Kamiokande, anunciado em 1998, revelaram que os neutrinos produzidos na atmosfera também podem alterar suas identidades, oscilando entre os sabores. Essas descobertas renderam o prêmio Nobel de física de 2015 às colaborações Super-Kamiokande e SNO. A comprovação foi decisiva para a física de neutrinos porque a consequência da oscilação entre os sabores é que eles têm massa.
O que diferencia partículas que têm massa de partículas sem massa?
Se recorrermos à relatividade restrita – que trata de partículas que se movem próximas da velocidade da luz -, fica mais fácil entender essa diferença. Do ponto de vista das partículas sem massa, como as partículas da luz – os fótons -, qualquer distância no Universo é infinitamente pequena, o que equivale dizer que elas chegam simultaneamente a qualquer lugar. Uma partícula com massa, como o neutrino-elétron, sabe distinguir tempos curtos de tempos longos, “ele enxerga as distâncias”.
Quando se detecta um neutrino, é possível dizer para qual dos sabores se está olhando?
Na prática, toda vez que se detecta um neutrino, não se consegue determinar qual sua massa, só é possível medir o seu sabor. Por exemplo, um neutrino-elétron produzido em São Paulo seria detectado em Salvador já com outro sabor. Os neutrinos mudam de sabor ao longo do tempo com uma probabilidade que pode ser calculada.
Como é o mecanismo que leva os neutrinos a mudar de sabor?
Temos que olhar para cada um dos sabores das partículas e associar a eles uma onda. Essa onda é uma mistura de três ondas distintas, associadas aos neutrinos com massa. O fenômeno pode ser então entendido como interferência de ondas.
Qual o papel da massa no mecanismo de oscilação dos neutrinos?
Agora que sabemos que os neutrinos têm massa, podemos classificá-los de acordo com o valor da massa. Digamos, um neutrino com massa 1, outro com massa 2, e um terceiro com massa 3. Mas não é possível associar massas e sabores de maneira clássica. O neutrino-elétron, por exemplo, não é uma partícula, mas uma mistura quântica de partículas com massas bem definidas e isso vale para os outros sabores. Cada uma das componentes com massa bem definida tem uma velocidade ligeiramente diferente, mas frequências bem próximas. O que faz o neutrino oscilar é que, durante o tempo em que ele viaja de um lugar a outro, as ondas correspondentes a eles se propagam de forma distinta, e a combinação delas – o que define o sabor – muda com o tempo.
As antipartículas dos neutrinos, os antineutrinos, oscilam da mesma forma?
Podemos entender essa pergunta da seguinte maneira: se a probabilidade de um neutrino de sabor A ser medido como um neutrino de sabor B (diferente de A) é igual a probabilidade de um anti-neutrino de sabor A ser medido como um antineutrino de sabor B. Os físicos se referem a esse fenômeno como a violação da simetria CP entre os neutrinos. Hoje, nós não sabemos a resposta apesar de haver fraca evidência que a simetria CP é violada entre os neutrinos.
Quais as contribuições esperadas dos experimentos DUNE e Hyper Kamiokande nessas questões?
Um dos objetivos principais dos projetos DUNE e Hyper-Kamiokande é descobrir de forma clara se os neutrinos respeitam a simetria CP. O que eles querem estabelecer é se a probabilidade de um neutrino de sabor A ser medido como um neutrino de sabor B (diferente de A) é igual a probabilidade de um antineutrino de sabor A ser medido como um antineutrino de sabor B. Na prática “sabor A” é o sabor muônico (relacionado ao muon), “sabor B” é o sabor eletrônico (relacionado ao elétron).
Os neutrinos são candidatos a matéria escura?
Sim. Mas, apesar de serem muito abundantes, os neutrinos têm uma massa pequena demais. Há muitos candidatos, no entanto. Uma das hipótese mais estudada é que a matéria escura seja formada por partículas que chamamos de WIMPS – Weakly Interacting Massive Particles -, que interagem fracamente.
A matéria escura obedece a quais princípios da física?
A matéria escura interage gravitacionalmente. Quer dizer, as leis da gravidade de Newton e Einstein também se aplicam à ela. Ela está se expandindo junto com o resto do Universo e também obedece ao princípio do aumento da entropia total do Universo, a Segunda Lei da Termodinâmica. No entanto, todas as outras informações que temos sobre ela, a distinguem da matéria bariônica – composta por bárions, partículas como prótons e elétrons, e que interagem com a luz.
Como seria possível medir a matéria escura?
Partículas como os WIMPS interagem fracamente com núcleos de átomos de detectores. Uma maneira seria construir detectores super-precisos e observar a passagem de uma partícula de matéria escura, causando uma leve movimentação nos núcleos dos átomos dos detectores, na Terra. Observar se os detectores se mexem “sozinhos”.
E o neutrino estéril?
Ele é um novo tipo de partícula que está sendo cogitada. Apesar de interagirem muito pouco, são capazes de “conversar” com os outros neutrinos do modelo padrão. Se forem parte da matéria escura, eles decaem, bem devagar, em um neutrino e um fóton. Para detectá-los teria de se observar a emissão de raios-X de regiões do céu onde se supõe haver muitos neutrinos estéreis, como as galáxias anãs, usando um satélite, um balão ou um foguete.
Quais são as expectativas da comunidade para detectar a matéria escura?
Agora, a campanha experimental é grande, mas, se daqui há dez anos não encontrarem nada, é bom procurar outra resposta e algumas ideias teóricas serão revisitadas.
Há outras propostas além dela?
Matéria e energia escura são uma forma de parametrizar a nossa ignorância. É possível que haja algo bem simples e que ainda não sabemos. Um outro caminho seria modificar a própria teoria da gravidade.
Qual das das alternativas é mais simples?
Sem dúvida, os modelos de matéria escura geram menos complicação. O motivo disso, talvez, seja o conservadorismo dos físicos. Mas existem problemas quanto a mudar a gravidade. As coisas funcionam muito bem no sistema solar com a teoria gravitacional que temos hoje. A gravidade teria que ser modificada a nível da galáxia, aglomerados de galáxias, o efeito dessa gravidade nova será gigante. Colisão entre dois aglomerados de galáxia, nuvens de gás interestelar, o gás interage bastante, emite raios-X, o que acontece com a massa de galáxia? Depois da colisão as massas se afastam, mas o gás ficou para trás, mudando a lei da gravidade. A lei da gravidade não explica porque a massa está em um lugar e a gravidade está em outro.
E quanto a modificar os modelos físicos atuais?
Nós temos teorias que funcionam bem, e quando há resultados que não sabemos explicar, acrescentamos ingredientes novos. Por outro lado, a linguagem que usamos para descrever talvez tenha um erro fatal. É possível que, usando essa linguagem, seja impossível descrever o que estamos observando. Mudar a linguagem que a gente usa é muito difícil. O modelo atual é muito sofisticado e bem sucedido. Uma ideia nova com uma linguagem nova teria que ser igual ou melhor para se explicar tudo o que a gente já consegue explicar e mais o que não consegue.
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Estranhezas no mundo do muito pequeno
Pesquisador visitante do ICTP-SAIFR foi destaque da Sociedade Brasileira de Física pela pesquisa sobre estranhezas quânticas e cenários de inferência causal simples
No centro da foto Mário Leandro Aolita, no ICTP-SAIFR, que fica no campus da Barra Funda, do IFT-Unesp, durante o minicurso “Emaranhamento quântico: da informação quântica para além da física de muitos corpos”, que aconteceu entre 20 e 24 de agosto.
Um furacão ocorre depois de uma pequena perturbação na atmosfera terrestre; as pessoas adoecem porque são expostas a germes. A noção intuitiva de que os fenômenos decorrem de uma causa é importante em pesquisas científicas nas áreas de meteorologia e epidemiologia, por exemplo. Mas os contra intuitivos efeitos quânticos podem violar a ordem de inferência causal. Uma colaboração entre físicos italianos da Universidade de Sapienza Roma, o brasileiro Rafael Chaves do Instituto Internacional de Física, em Natal, no Rio Grande do Norte, e o visitante do ICTP-SAIFR, Mário Leandro Aolita, sediado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, demonstrou experimentalmente que, em um sistema formado por um par de fótons – partículas de luz -, ocorre uma transgressão dos chamados testes experimentais. Usados tipicamente na área de epidemiologia, esses testes estão relacionados à noção clássica de causalidade.
Os pesquisadores investigaram um modelo causal quântico em que o estado de dois fótons emaranhados – forma de correlação muito forte, possível só em sistemas quânticos – é a causa comum de outros dois eventos A e B. Nessa situação, as correlações induzidas entre esses eventos A e B são tão fortes que, mesmo se fossem simuladas com modelos causais clássicos, ou seja, sem emaranhamento, eles precisariam estar equipados com influências causais diretas de A para B (além de possíveis causas comuns clássicas).
O resultado, publicado pela revista científica Nature Physics, em dezembro de 2017, mostra que o emaranhamento quântico é, de certa forma, mais forte até do que influências causais diretas clássicas, abrindo perspectivas para uma abordagem mais simples do fenômeno quântico até então conhecido como “comunicação à distância” entre partículas. Repercussões do trabalho vão incorporar o desenvolvimento de novas tecnologias para a criptografia e informação quântica.
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