Archive for November, 2023
Eventos do ICTP-SAIFR abordam diversidade e inclusão na Física
“Increasing Diversity” teve foco em ações de desenvolvimento de carreira e “Boost STEM” apresentou iniciativas nacionais e internacionais
Por Felipe Saldanha (ICTP-SAIFR), com colaboração de Ana Clara Moreira (ICTP-SAIFR)*
Na semana de 13 a 17 de novembro, o ICTP-SAIFR realizou dois workshops sobre diversidade e inclusão no Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp, na cidade de São Paulo. O primeiro foi o “Increasing Diversity and Inclusion in Science” (Aumentando a Diversidade e a Inclusão na Ciência), que teve o objetivo de fornecer ferramentas de apoio para as carreiras de alunos e jovens pesquisadores pertencentes a grupos com baixa representação. O segundo foi o “Proposals to Boost STEM Participation in Underrepresented Groups” (Propostas para Aumentar a Participação STEM de Grupos Sub-representados), com o intuito de discutir iniciativas no Brasil, Argentina e EUA que contribuem para aumentar a diversidade na ciência com foco nas populações afrodescendentes, indígenas e de baixa renda.
O primeiro evento teve palestras plenárias de pesquisadoras em diferentes estágios profissionais: Sendy Melissa Santos do Nascimento, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL); Sônia Guimarães, do Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA); e Renata Wasserman, da Universidade de São Paulo (USP). Sendy Nascimento falou sobre sua carreira e mulheres negras que a inspiram, como a matemática Katherine Johnson, uma das responsáveis pelo tráfego aéreo como se conhece hoje. Sônia Guimarães e Renata Wasserman explanaram sobre suas trajetórias profissionais nas suas instituições e as barreiras que enfrentam. Houve ainda dois painéis de discussão. O primeiro, intitulado “Inclusão e diversidade em Ciência e Tecnologia: uma iniciativa para igualdade e desenvolvimento”, teve mediação de Zélia Maria Da Costa Ludwig, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e o segundo teve como título “Gênero e transição tecnológica na América Latina” e como mediadora Alba Avila-Bernal, da Universidade dos Andes (Colômbia).
Também integrou a programação uma edição especial do Ciência no Cinema, com exibição do filme Estrelas Além do Tempo no Cine Belas Artes, no dia 14, seguida de debate com Zélia Ludwig, da UFJF. No debate, a professora comentou sobre meritocracia, as dificuldades que mulheres negras têm ao acessar espaços acadêmicos e como elas são silenciadas. Ela acrescentou: “Precisamos empoderar as mulheres para que elas possam acreditar que podem e conseguem, e precisamos fazer isso juntas”.
O primeiro dia do segundo evento, Boost STEM (sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), foi voltado a experiências internacionais. Young-Kee Kim, presidente eleita da Sociedade Americana de Física (APS), mostrou como a instituição tem trabalhado para aumentar a inclusão e abraçar diversas perspectivas. Silvina Ponce Dawson, presidente designada da União Internacional de Física Pura e Aplicada (IUPAP), falou sobre ações desta entidade para ampliar a inclusão e a diversidade na Física.
Jim Gates, ex-presidente da APS e ganhador da Medalha Nacional da Ciência dos EUA, ofereceu um relato de sua própria vida enquanto homem negro, mostrando como tem desafiado barreiras e vivido a diversidade em STEM. Por fim, Valeria Viva, cofundadora da XSTEM (Argentina), dissertou sobre como a sua organização tem aplicado a educação STEM para adolescentes. As discussões foram finalizadas com uma mesa-redonda com a participação dos palestrantes.
O segundo dia deu destaque a iniciativas brasileiras. Maria Lucia Santana Braga, analista e membro da equipe do Programa Mulher e Ciência do CNPq, apresentou o Painel de Fomento em Ciência, Tecnologia e Inovação, que consegue, pela primeira vez, detalhar com dados explícitos a proporção no Brasil dos gêneros e etnicidades nos vários níveis da carreira. Lazaro Cunha, diretor do Instituto Steve Biko e coordenador do Oguntec, explicou o funcionamento do projeto, uma experiência de ações afirmativas na educação científica de jovens negros de escolas públicas da Bahia. Rogerio Monteiro de Siqueira, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, explanou sobre o programa de pós-doutorado para pesquisadores negros nesta universidade, e Celso Lins de Oliveira, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP, abordou as barreiras e a sub-representação negra na docência do Ensino Superior.
Na sequência, houve uma mesa-redonda com todos os palestrantes do dia, que incluiu também Rodrigo Barbosa Capaz, presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF), e Marcelo Knobel, ex-reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Capaz citou iniciativas da SBF como os prêmios Anselmo Salles Paschoa (outorgado a pessoas negras em início de carreira na pesquisa em Física) e Carolina Nemes (para mulheres físicas em início de carreira) e a Comissão JEDI – Justiça, Equidade, Diversidade e Inclusão, presidida por Sônia Guimarães. Knobel discutiu o Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS), projeto que já preparou mais de mil estudantes de Ensino Médio, vindos de escolas públicas de Campinas, para ingressar na Unicamp.
“O Boost STEM foi um evento essencial para ouvir as demandas da comunidade e melhor planejar atividades futuras, com atenção especial aos grupos sub-representados como a população negra, o povo indígena, as pessoas de baixa renda, mulheres e outras identidades de gênero”, afirma Karen Hallberg, do Instituto Balseiro (Argentina), uma das organizadoras do evento e membro do conselho científico do ICTP-SAIFR. As gravações das transmissões ao vivo e materiais de apoio do Increasing Diversity e do Boost STEM estão disponíveis no site do ICTP-SAIFR.
*Felipe Saldanha e Ana Clara Moreira são bolsistas Fapesp de Jornalismo Científico no ICTP-SAIFR.
Continue Reading | Comments Off on Eventos do ICTP-SAIFR abordam diversidade e inclusão na Física
Escola prepara futuros líderes da pesquisa em Física
“Journeys”, curso do ICTP-SAIFR/IFT-Unesp com Instituto Perimeter (Canadá) para graduandos de alto desempenho, oferece formação de ponta, networking e a chance de cursar mestrado em conjunto com um instituto de excelência no exterior
Por Felipe Saldanha
Neste exato momento, alguns dos pesquisadores em Física propensos a se tornarem os mais importantes da próxima geração ainda estão cursando a graduação. Para aumentar as chances de sucesso em suas carreiras, é preciso identificá-los, oferecer oportunidades de aperfeiçoamento e envolvê-los em colaborações internacionais. É com este intuito que, em julho, o ICTP-SAIFR, o Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp e o Instituto Perimeter de Física Teórica (Canadá) realizaram a sexta edição do Journeys into Theoretical Physics.
A origem do Journeys remete às Jornadas da Física Teórica, evento realizado pelo IFT-Unesp nas últimas três décadas como forma de divulgar os trabalhos desse instituto – cujos alunos são todos de pós-graduação – para estudantes de graduação de São Paulo. No formato atual, o propósito inicial foi expandido e, agora, o Journeys busca alcançar alunos de toda a América Latina, tendo como um dos principais atrativos a oportunidade de ingresso em um mestrado internacional conjunto entre ICTP-SAIFR/IFT-Unesp e Perimeter. As inscrições para a próxima edição têm abertura prevista para o início de 2024.
O físico Pedro Vieira (foto à esquerda), coordenador da parceria Perimeter-SAIFR-IFT e professor em conjunto das duas instituições, explica que o Journeys procura alunos com desempenho excepcional em fim de curso e, por isso, impõe exigências desde o processo seletivo, que requer dos candidatos uma declaração de interesse, histórico escolar e cartas de recomendação de professores. Estudantes de fora da cidade de São Paulo podem solicitar ajuda de custo, que cobre hospedagem, transporte e alimentação.
A programação do Journeys, ofertada por professores do ICTP-SAIFR/IFT-Unesp e do Perimeter, cobre quatro tópicos de Física Teórica em nível básico, de modo um pouco menos avançado que as escolas tradicionalmente promovidas pelo ICTP-SAIFR, mas com temas que avançam o currículo da graduação (leia mais no box ao fim deste texto). Após cinco dias de palestras, os alunos são submetidos a dois dias de rigorosos exames escritos, que funcionam tanto como ferramenta de aprendizado quanto mecanismo de seleção para o mestrado internacional. Em 2023, os selecionados para esse mestrado foram Francisco Divi, do Instituto Balseiro, na Argentina; Matheus Balisa Pauliquevis, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP); e Levy Bruno do Nascimento Batista, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP).
Para Vieira, o Journeys amplifica o “grau da colaboração” entre ICTP-SAIFR/IFT-Unesp e Perimeter ao ir além de um simples memorando de entendimento e proporcionar a formação de uma “massa crítica”. Ele ainda destaca que o Journeys proporciona vantagens para todos os envolvidos. Para o ICTP-SAIFR/IFT-Unesp, por atrair “esses alunos que seria muito difícil atrair de outra forma, que são de fato de topo e iriam para outras universidades de topo”. Para o Perimeter, que recebe estudantes que costumam ficar entre os melhores da instituição canadense. E para os próprios alunos, que “não têm acesso a nenhum mecanismo para se distinguirem como têm nesta escola”.
O Journeys é igualmente uma oportunidade de fazer networking. Vieira conta que os alunos são encorajados a “ir bater à porta das pessoas enquanto aqui estão para descobrir potenciais supervisores para o futuro”. Aproximar-se de professores reconhecidos na área, do Brasil e da América Latina, foi justamente um dos motivos para a graduanda do IFUSP Lua Figueiredo ter optado por participar da escola por dois anos consecutivos. Ela ainda aproveitou o evento para se aprofundar em matérias com as quais não é tão familiarizada e “ver o que se faz nas outras áreas”.
Motivos semelhantes trouxeram ao Journeys, também pela segunda vez, o graduando Dario Escriba, da Universidade Nacional Maior de São Marcos (Peru). Ele afirma que os tópicos abordados na escola não costumam ser discutidos nos países em desenvolvimento. O estudante considerou o conteúdo como denso e difícil de “resumir e revisar” em poucas horas de aula, mas apontou como “muito útil” a disponibilização das gravações no YouTube.
Vieira aponta que o Journeys estabelece “uma noção de grupo entre os alunos, porque serão os futuros líderes da Física da América Latina” e muitas vezes vão se conhecer pela primeira vez no evento, o que “vai certamente ter um impacto no futuro, de criar um sentido de comunidade e um sentido de colaboração”. Assim, é possível que estudantes como Figueiredo e Escriba se tornem, dentro de alguns anos, coordenadores de algumas das escolas avançadas do ICTP-SAIFR.
Felipe Saldanha é jornalista de ciência do ICTP-SAIFR com bolsa Fapesp.
INTRODUÇÕES E APROFUNDAMENTOS
Tópicos abordados na escola unem o básico às discussões mais contemporâneas da Física Teórica
Introdução à supersimetria
Nathan Berkovits, ICTP-SAIFR / IFT-Unesp
Formulada há 50 anos como uma generalização das simetrias de espaço-tempo, mas com novas coordenadas para além das quatro mais conhecidas (as três dimensões espaciais e uma temporal), a supersimetria – aplicada à gravidade – “parece ser a única maneira para unificar a Relatividade Geral com Mecânica Quântica sem encontrar inconsistências”, aponta Berkovits. “Mas, até agora, os experimentos não encontraram evidências para essa nova simetria. Então ainda está incerto se a supersimetria vai ser relevante para entender a Física do nosso universo”.
Aprendizado de máquina para matéria quântica
Juan Carrasquilla, Instituto Vector para Inteligência Artificial (Canadá)
Avanços na inteligência artificial (IA) estão revolucionando as ciências da natureza em geral e a Física em particular, com ferramentas para facilitar a compreensão de fenômenos naturais mais precisas que as técnicas tradicionais. No caso específico da matéria quântica, “a IA desempenha um papel fundamental no tratamento de grandes volumes de dados por meio do reconhecimento de padrões, produzindo insights mais profundos a partir de dados experimentais de imagens eletrônicas”, explica Carrasquilla. Para o pesquisador, a união entre IA e Física “abre novos caminhos de exploração, permitindo-nos enfrentar problemas complexos de forma mais eficiente”.
Introdução ao efeito Hall quântico
Yin-Chen He, Instituto Perimeter de Física Teórica (Canadá)
“O efeito Hall quântico é um belo exemplo de como os sistemas do mundo real podem exibir fenômenos quânticos notáveis em escala macroscópica, contrastando com o reino microscópico usual onde ocorrem fenômenos quânticos”, diz He. De acordo com o pesquisador, este efeito está envolvido em ideias e subcampos de Física e Matemática que estão na vanguarda da pesquisa. Entre as suas potenciais aplicações tecnológicas, está “a construção de computadores quânticos livres de erros, conhecidos como computadores quânticos topológicos. Este campo ainda é uma área de pesquisa ativa e contínua”, conclui He.
Problemas em aberto na Física de Partículas
Ricardo Matheus, IFT-Unesp
Neste curso, Matheus parte de algo bem estabelecido na Física, o modelo padrão, que combina dois dos pilares fundamentais da Física contemporânea – a quântica e a relatividade – para descrever “não somente as partículas subatômicas (de que tudo que vemos é feito) mas também suas interações, dando assim conta das três forças fundamentais que importam neste mundo pequenino”. A partir daí, segundo o pesquisador, “podemos discutir também tudo aquilo que ele não explica: a massa dos neutrinos e a matéria escura, ambos problemas ainda sem solução”.
Continue Reading | Comments Off on Escola prepara futuros líderes da pesquisa em Física