Onde a matéria condensada e as supercordas se encontram
Escola internacional discute a correspondência entre teoria de cordas e matéria condensada.
O ICTP-SAIFR, localizado no prédio do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp, sediou entre os dias 27 de março e 7 de abril a School on AdS/CMT Correspondence, versando sobre as formas de se aplicar a teoria das supercordas ao estudo da matéria condensada. De forma simplificada, a matéria condensada é um termo que se refere aos estados físicos da matéria em que as partículas se aderem umas às outras, como, por exemplo, os estados clássicos de sólidos e líquidos. Porém, existem outros estados estudados, como os supercondutores e materiais ferromagnéticos.
Voltada para alunos de pós-graduação, pesquisadores e professores, as aulas foram montadas de forma a apresentar um panorama dos problemas teóricos atuais nos sistemas de matéria condensada e discutir as ferramentas que podem ser usadas em seu estudo, com ênfase especial em técnicas de holografia. A primeira semana foi organizada como um curso introdutório às teorias que serviram de base para a discussão de tópicos mais avançados na segunda semana. “Temos duas comunidades de físicos com backgrounds muito diferentes na escola, uns vem da área de altas e energias e teoria de cordas, outros, da matéria condensada. Por isso começamos com uma revisão, para que seja produtiva para todos”, disse Diego Trancanelli da USP, um dos organizadores.
AdS/CMT
A correspondência entre AdS (sigla em inglês para o espaço anti-De Sitter, que possui uma curvatura escalar negativa constante) e a matéria condensada (CMT, na sigla em inglês) significa o uso de modelos gravitacionais, em especial da teoria de supercordas, no estudo de, por exemplo, materiais sólidos e líquidos. Surgiu por influência da correspondência AdS/CFT (teoria de campos conformais) desenvolvida por Juan Maldacena em 1997 no estudo de aspectos da teoria de gauge, como na interação forte entre núcleos atômicos.
Segundo Horatiu Natase, do IFT, um dos organizadores, existem muitos problemas teóricos no estudo da matéria condensada — especialmente quando se trata de interações entre partículas — que não conseguem ser abordadas por métodos tradicionais. Como exemplo podem ser citados a supercondutividade de alta temperatura e o efeito Hall quântico, em que a resistividade perpendicular é quantizada, ambas discutidas em algumas das palestras. Assim, ao relacionar a teoria gravitacional quântica à matéria condensada, novas soluções para problemas antigos podem ser encontradas.
O objetivo da escola foi apresentar e discutir com os participantes inscritos as ferramentas da gravitação que podem ser usadas no estudo da matéria condensada. “Na última década começaram a se utilizar métodos da teoria de cordas e depois da teoria de campos para atacar esses problemas. Isso gerou um grande interesse na área da matéria condensada”, disse Natase.
Interação
Por reunir 71 alunos e 6 palestrantes de duas áreas diferentes (matéria condensada e física de altas energias), o desafio para os organizadores foi o entendimento entre todos. “Pois apesar de utilizarem ferramentas em comum, a linguagem e o jeito de usá-las em cada área é diferente”, disse Natase.
A interação, porém, foi positiva e a mensagem que ficou por trás foi que a física não é dividida em setores que não se conversam, e o diálogo entre pesquisadores pode ser proveitoso. “A ferramenta que eu desenvolvo para um problema na minha área pode ser motivada por um problema de outra, ou pode ser que o problema de uma outra área tenha um equivalente no problema que eu estudo”, disse Trancanelli. “Então o que eu acho que estamos aprendendo a cada dia é que a física é única, as mesmas técnicas podem ser aplicadas em vários sistemas diferentes. Você nunca pode colocar limites nas suas teorias, nos seus métodos”. Natase complementou a fala, dizendo que “temos de estabelecer esses laços, mas o que acontece na prática é que tem tantas coisas para se aprender na sua área que não sobra tempo para se aprofundar em outra. E essas escolas são um jeito de expor as pessoas a outras ideias e técnicas que não teriam contato antes.”