Bate-papo sobre um dos temas mais polêmicos da atualidade: o Aquecimento Global
No dia 03 de outubro aconteceu mais uma edição do Papos de Física, evento mensal de divulgação científica promovido pelo ICTP-SAIFR, centro de pesquisa associado ao IFT-UNESP. Nesta edição o público pôde conversar com a profa. Dra. Ilana Wainer, professora do Instituto Oceanográfico da USP (IO-USP), que discutiu os Efeitos Climáticos do Oceano.
Algumas semanas antes da realização do Papos de Física, o IPCC (Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas) divulgou o mais recente Relatório Especial sobre o Oceano e a Criosfera (regiões da superfície terrestre cobertas permanentemente por gelo e neve). Aproveitando os dados divulgados neste relatório, a professora apresentou as principais evidências que comprovam o aquecimento global e quais as perspectivas (otimistas ou não) sobre o futuro do planeta.
Antes de mais nada, a professora esclareceu a diferença entre tempo e clima. Tempo compreende as condições e mudanças meteorológicas que estão ocorrendo no agora. Clima, por outro lado, compreende padrões médios de variação das condições atmosféricas ao longo de um período prolongado de tempo. Assim, falar que está fazendo sol é falar sobre o tempo, mas falar que normalmente em janeiro faz calor e chove, é falar sobre clima. Quando falam de aquecimento global e mudanças climáticas, os cientistas olham para esses padrões de variação ao longo do tempo, em escalas globais.
Mas antes de entrar no polêmico aquecimento global, vamos entender um pouco sobre a influência dos oceanos no clima.
O planeta Terra, como um todo, é um sistema complexo onde diversos agentes se relacionam. Isso se aplica também ao clima, que é influenciado e atua sobre a biosfera (que comporta os ecossistemas do planeta), a litosfera (rochas e estrutura interna terrestre), a hidrosfera (água em seus diferentes ambientes) e, obviamente, a atmosfera (camada de gases que envolve o planeta). As interações entre essas diferentes “esferas” ocorrem em escalas espaciais e temporais distintas, mas todas exercem algum impacto no controle do clima global. No Papos de Física de outubro, Ilana focou nas interações entre atmosfera e hidrosfera (em especial, os oceanos) e seu efeito sobre o clima.
Ilana explicou que os oceanos são como o ar condicionado da Terra e têm um papel fundamental na redistribuição de calor no planeta. A água retém mais calor que a atmosfera e, por conta das correntes oceânicas, o calor é distribuído. As correntes são divididas entre correntes superficiais, mais quentes, e correntes de fundo oceânico, mais frias. Elas são influenciadas por diversos fatores, incluindo ventos, marés, densidade da água e o movimento de rotação da Terra. Até a topografia do fundo oceânico e das costas influencia na velocidade das correntes.
Mesmo que as marés exerçam influência nas regiões próximas às costas, a principal força motriz das correntes superficiais é a atmosfera.
A ação dos ventos movimenta mais ou menos 10% do volume do oceano, atuando diretamente nas camadas mais superiores de água. Estas, por sua vez, influenciam a movimentação das camadas logo abaixo, e assim por diante. Dessa forma, os ventos podem influenciar o movimento de água até a profundidade de 400m.
Mas os oceanos são muito mais profundos do que 400m. Se os ventos só conseguem influenciar até essa profundidade, deve haver outro mecanismo responsável pela movimentação das correntes profundas, certo? Exato. As correntes profundas são controladas, principalmente, pela densidade da água do mar.
Ao se movimentar em direção aos pólos, a temperatura da água diminui. Nessas regiões, a salinidade é maior, ou seja, a concentração de sal dissolvido aumenta – isso ocorre porque parte da água é aprisionada em cristais de gelo, deixando as moléculas de sal para trás, concentradas na água líquida. A água mais fria e “salgada” é mais densa que a água que chega nessas regiões e afunda, criando correntes de movimentação vertical chamada circulação termoalina. A movimentação de águas profundas em direção à superfície também carrega nutrientes que sustentam a base das cadeias alimentares marinhas.
A ação conjunta das correntes oceânicas superficiais e profundas mantém o equilíbrio do clima no planeta todo. Ou pelo menos costumava manter… Apesar da complexidade do sistema controlando o clima, o equilíbrio é, na verdade, frágil, e “pequenas” perturbações podem ter consequências grandes.
Como sabemos que o planeta está aquecendo?
No IPCC centenas de cientistas de todo o mundo recolhem dados sobre o clima global para avaliar os impactos do aquecimento global. Comprova-se que o planeta está, de fato, aquecendo a partir de diversos indicadores. Vamos conhecer alguns deles?
Diminuição das geleiras
Talvez o mais conhecido e impactante indicador do aquecimento global é o derretimento das geleiras. Imagens de satélite mostram a cobertura de gelo marinho no Ártico cada vez menor nas últimas décadas.
Umidade específica do ar
A umidade específica do ar também tem aumentado no passar dos anos. Isso significa mais vapor d’água no ar. A princípio, ter mais água não parece um problema, mas, na verdade, o vapor d’água é um gás estufa poderosíssimo e contribui para o aumento da temperatura.
Calor dos oceanos
Também há registro do aumento do conteúdo de calor nos oceanos. Já existem evidências de que as temperaturas estão aumentando na superfície dos oceanos e até os primeiros 700m de profundidade. Isso afeta diretamente os frágeis ecossistemas marinhos, e também a população que depende dele para se alimentar.
Aumento do nível do mar
Diversas localidades já registram aumento do nível do mar no mundo. Isso é causado tanto pelas taxas aceleradas de derretimento das geleiras do Ártico, como também pela expansão térmica dos oceanos (por conta do aumento de temperatura). Estima-se que atualmente o nível do mar sobe 3.6 mm por ano.
Temperatura da baixa atmosfera
A atmosfera é dividida em algumas camadas, de acordo com a distância em relação ao solo. Nós habitamos a troposfera, a camada mais baixa, que compreende até 12km de altitude, e fica abaixo da camada de ozônio. Medidas sistemáticas da temperatura dessa camada mostram que ela tem esquentado nos últimos anos. Aliás, comparado à época pré-Revolução Industrial, a temperatura já subiu 1°C! Isso acontece por que os gases de efeito estufa se acumulam na atmosfera e retém o calor irradiado da superfície e elevando a temperatura.
Aliás, o que é o Efeito Estufa?
Primeiro, precisamos saber que o Efeito Estufa é natural e, na verdade, garante a vida na Terra.
Na agricultura, as estufas são utilizadas para cultivar plantas mais sensíveis, e que não sobreviveriam ao clima no exterior. Dentro de uma estufa, a radiação solar passa pelas paredes de vidro e é absorvida pelas plantas e outras estruturas dentro dela. Parte da radiação é irradiada de volta, mas fica presa conta das paredes de vidro. Dessa forma, é possível cultivar plantas independente das variações climáticas das estações do ano. De forma semelhante, o planeta Terra também está dentro de uma estufa – a nossa atmosfera.
Quando a radiação solar chega na Terra, parte dela é refletida de volta para o espaço pelas camadas mais externas da atmosfera. Uma outra pequena parcela é refletida de volta para o espaço nas grandes geleiras, por conta da cor branca dessas superfícies. O restante é absorvido pelos oceanos e massas de terra do planeta. A Terra irradia parte do calor absorvido de volta para o espaço, mas uma porcentagem acaba presa na atmosfera, por conta dos gases do efeito estufa existentes, e isso mantém o planeta aquecido. Se não fosse esse efeito, a Terra poderia ser até 33°C mais fria, o que inviabilizaria a vida por aqui (pelo menos nas formas como a conhecemos hoje).
Os gases do efeito estufa incluem vapor d’água, dióxido de carbono (conhecido como gás carbônico – CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), ozônio e os componentes clorofluorcarbonos (CFCs). Com exceção dos CFCs, que são utilizados para refrigeração, todos esses gases são naturais e estão presentes na atmosfera terrestre, em proporções variadas. A grande questão é que o estilo de vida que levamos hoje, com grande dependência de combustíveis fósseis e emissão de gases, potencializa o efeito estufa, contribuindo para o aumento da temperatura do planeta.
E para onde vai esse calor em excesso? Por enquanto, para o oceano (uma das causas do aumento da sua temperatura). Estima-se que os oceanos sejam responsáveis por absorver cerca de 93% do calor em excesso da atmosfera. Por enquanto, eles são capazes de fazer isso, mas Ilana alertou que já estamos nos aproximando de um “ponto de inflexão”, e que talvez os oceanos não sejam capazes de absorver o calor em excesso por muito tempo. As consequências disso podem ser severas, acelerando as mudanças que já estão ocorrendo e aumentando ainda mais a temperatura.
Como as mudanças climáticas já estão afetando o planeta?
- O aquecimento do oceano é acompanhado da diminuição do pH e diminuição da quantidade de O2 dissolvido na água. O resultado é morte de parte significativa da vida marinha e alteração do equilíbrio químico dos oceanos;
- Além disso, o aquecimento do oceano prejudica a mistura entre camadas de profundidades diferentes, gerando a estagnação da água. Isso implica em menos oxigenação das camadas e menor circulação de nutrientes, também impactando a vida marinha;
- O nível do mar já aumentou em algumas partes do planeta. As mudanças variam de lugar para lugar, mas é importante lembrar que quase 2 bilhões de pessoas moram a menos de 100km da costa, e toda essa população está em perigo com variações drásticas do nível do mar;
- Chuvas, ciclones tropicais e outros eventos extremos que atingem as costas têm se intensificado;
- O aumento do nível do mar também é associado com maior incidência de inundações, enchentes, secas, erosão e danos para infra-estrutura de regiões próximas à costa, desaparecimento de ilhas oceânicas e contaminação de aquíferos;
- Cenários otimistas prevêem o aumento do nível do mar em 60cm até 2100, isso caso sejam implementadas, agora, medidas e políticas públicas comprometidas com a diminuição da emissão de gases de efeito estufa. Em cenários mais pessimistas, onde não existe controle algum, calcula-se que a elevação pode ser de até 1 metro!
Com as predições do novo relatório do IPCC, Ilana alertou que devemos cobrar posicionamento e políticas públicas dos governantes, para ajudar a conter as mudanças climáticas no mundo todo. Alguns efeitos já são irreversíveis, como apontou a pesquisadora, e é necessário agir agora para evitar que os cenários mais pessimistas se concretizem.
O Papos de Física é um evento mensal de divulgação científica promovido pelo ICTP-SAIFR, que ocorre todo início de mês no Tubaína Bar (R. Haddock Lobo, 94). Nesses eventos, físicos levam assuntos de ciência que despertam curiosidade do público para uma conversa informal e descontraída, de forma acessível a todos. A última edição do ano, aconteceu no dia 07 de novembro, com o tema “Sistemas Complexos: o Olhar da Física”. Fique atento ao blog para saber como foi o evento e nas nossas redes sociais para saber da programação de 2020!
Para saber mais sobre mudanças climáticas:
- Veritasium (em inglês, com legendas): https://www.youtube.com/watch?v=OWXoRSIxyIU
- TED-Ed (em inglês, com legendas): https://www.youtube.com/watch?v=p4pWafuvdrY
- Materiais do IPCC: https://www.ipcc.ch/2019/09/25/srocc-press-release/ | https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/sites/3/2019/09/SROCC_SPM_HeadlineStatements.pdf
Tags: aquecimento global, divulgação científica, Ilana Wainer, ipcc, mudança climatica, oceano, Papos de física