A tecnologia quântica de segunda geração vai chegar ao Brasil?
Reportagem por Ana Clara Moreira
No dia 30 de janeiro, teve início o evento internacional “Tecnologias Quânticas para São Paulo, Brasil e América Latina”, realizado pelo Instituto Principia e o ICTP-SAIFR. Com encerramento no dia 16 de fevereiro, o workshop reunirá membros da academia e da indústria para debater o estado da arte do desenvolvimento de tecnologias quânticas na região, além de delimitar metas e estratégias para estimular o avanço na área. O encontro acontecerá presencialmente em São Paulo e surgiu da necessidade de estreitar a relação entre a pesquisa e a indústria, visando o aprimoramento das tecnologias quânticas no Brasil, tornando-o uma potência no campo.
Marcelo Terra Cunha é professor da Unicamp e um dos organizadores do evento, e explica que o olhar da física quântica vem mudando com o tempo: “Muito tempo se passou desde que ela se preocupava com os átomos e com a compreensão das propriedades da matéria. Uma consequência indireta e não planejada nos estudos de física quântica foi a descoberta da teoria quântica. Ela possibilita descrever experimentos e calcular as probabilidades de cada possível resposta para cada medição, além de apresentar “características informacionais”. Nesse sentido, uma das descobertas informacionais foi a teleportação quântica, que permite o transporte de informação.
Hoje, as tecnologias quânticas estão em sua segunda geração. Aquelas conhecidas como sendo de “primeira geração” são tecnologias que estão no dia-a-dia, como os semicondutores minúsculos que compõem os chips de computadores e celulares ou os lasers em aparelhos de cd e dvd, que lêem os arquivos de áudio e vídeo. “As tecnologias quânticas de primeira geração estão no nosso cotidiano e são parte essencial do PIB mundial, é graças a elas que conseguimos viver nessa era de informação quase instantânea”, explica Terra Cunha. “Essas tecnologias usam o primeiro ponto da teoria quântica, referente a parte da descrição atômica dos fenômenos, relacionado aos níveis discretos”, completa.
Já as tecnologias quânticas de segunda geração são representadas pela computação quântica, pela comunicação quântica e por sensores quânticos. Elas exploram outras características da teoria quântica, como a coerência quântica. Esse fenômeno lida com a ideia de que todos os objetos têm propriedades semelhantes a ondas. Se o estado ondulatório de um objeto for dividido em dois, então as duas ondas podem interferir uma na outra de maneira coerente, de modo a formar um novo estado único, a partir da superposição desses dois estados. Ou seja, na superposição, um único estado quântico consiste em múltiplos estados, equivalente a um bolo de camadas: o bolo final existe graças à combinação de camadas diferentes de bolo.
Ao ser questionado sobre o papel do Brasil no desenvolvimento das tecnologias quânticas, Terra Cunha afirma com certeza que o país não fica para trás no quesito de investimento na área. O professor relembra que, no fim dos anos 90, foi criado o Instituto do Milênio de Informação Quântica e logo depois o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Quântica. Em termos de comunidade, o Brasil também está bem posicionado pois existe uma comunidade grande de físicos trabalhando no campo.
Entretanto, para que os avanços sigam ocorrendo, é preciso investir em propostas de curto e longo prazo que consistem, principalmente, na formação de engenheiros quânticos. Terra Cunha conta como, no Brasil, ainda faltam profissionais com formação em engenharia trabalhando em campos de tecnologia quântica e permitindo a interação entre pesquisa teórica e aplicações práticas.
Para lidar com essa problemática, o pesquisador defende a ideia de cooperações internacionais, especialmente no continente latino-americano. “Na Argentina, por exemplo, existem grandes líderes mundiais em tecnologias quânticas, como o Juan Pablo Paz que é Secretário de Articulação Científica e Tecnológica do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação da Argentina. Paz, inclusive, convidou o Brasil para participar do programa argentino. Além disso, o Chile também tem uma grande experiência em óptica quântica, então uma união entre as universidades e empresas latino-americanas faz todo mundo ganhar”, afirma. O professor também explica que, no futuro, o Brasil se tornará um consumidor de tecnologias quânticas e, por conta disso, seria interessante que o país também se tornasse criador e exportador dessas tecnologias, integrando e criando um ecossistema mundial de cooperação.
Tendo isso em mente, Terra Cunha, juntamente com pesquisadores de outras regiões do Brasil, dos Estados Unidos e da Holanda organizaram o encontro que terá início nesta semana, objetivando desenvolver um plano para colocar em prática ações para posicionar o Brasil em um cenário de destaque no campo de tecnologias quânticas nos próximos anos. “Para isso, nas duas primeiras semanas do evento, os participantes debaterão um tema específico a cada dia, que posteriormente irão compor capítulos do documento oficial do planejamento”, explica Terra Cunha.
Entre os temas que serão debatidos, estão as perspectivas de aplicações de tecnologias quânticas para a agricultura e saúde, ponto que é visto com entusiasmo pelo pesquisador, uma vez que o Brasil é um dos maiores exportadores de commodities agrícolas do mundo. “Seria ótimo que esse tipo de tecnologia pudesse ser desenvolvida aqui, pois naturalmente vamos usar e precisar dela”, comenta Terra Cunha. Na agricultura, algumas das tecnologias quânticas usadas são os sensores quânticos: equipamentos que utilizam propriedades quânticas que possibilitam maior sensibilidade e com menor dano. Por isso, uma das apostas do evento é nos sensores, pois acredita-se que eles têm o potencial de apresentar o melhor ganho por real investido, além de poderem ser aplicados também na área da saúde, tanto animal quanto vegetal.
Um exemplo de sensor quântico é o gravímetro. Essa tecnologia é desenvolvida a partir do conceito de sobreposição atômica, para medir o nível de variação gravitacional da Terra. Ela pode ser utilizada, por exemplo, para identificar quais tipos de solos e sedimentos existem em um determinado lugar, sem ser necessário escavar a região. Essa utilização permite, também, encontrar objetos enterrados ou submersos a um certo nível de profundidade.
Apesar do impacto positivo para a indústria agrícola, Terra Cunha defende que o Brasil tem capacidade para ir além. “O Brasil tem condições de dar esse salto e ser bom em produzir tecnologias e avanços científicos, ele não precisa continuar sendo um país agrícola para sempre. Aqui, nós temos a vantagem de não estarmos começando do zero. Outros países, como Singapura e os Emirados Árabes, que começaram do zero já estão desenvolvendo esse tipo de tecnologia”, finaliza.