Cem anos da Relatividade Geral
Teoria, proposta por Albert Einstein em 1915, revolucionou a Física e mudou a maneira de entender o espaço, o tempo, a luz e o universo
A Teoria da Relatividade Geral, proposta por Albert Einstein em 1915, revolucionou a Física e mudou a maneira como nós entendemos o espaço, o tempo, a luz e o universo. Cem anos depois ela continua a ter uma importância fundamental, e prevê fenômenos, como as ondas gravitacionais, que foram detectadas indiretamente apenas na década de 70. Entretanto, há observações que a teoria não explica. Além de ser incompatível com a Mecânica Quântica, a Relatividade Geral não prevê a expansão acelerada do universo e não descreve corretamente a velocidade de rotação de estrelas em torno do centro de galáxias. A melhor solução para esses mistérios são a energia escura e a matéria escura, substâncias cujas existências ainda não foram comprovadas.
“Matéria escura e energia escura são maneiras de entender certas anomalias”, diz Scott Dodelson, pesquisador norte-americano do Fermilab e professor na Universidade de Chicago. “Na verdade, elas podem nem mesmo existir. Pode ser que a nossa compreensão da gravidade esteja errada e que a teoria da Relatividade Geral precise ser modificada para que possamos entender o que observamos. Atualmente, uma pergunta fundamental é: será que precisamos modificar a teoria ou será que essas substâncias realmente existem?”
Matéria e energia escura
Uma das anomalias citadas por Dodelson é a velocidade com que estrelas giram em torno do centro de galáxias. A velocidade real é maior do que a prevista pela teoria para a quantidade de matéria que conseguimos ver – a matéria gera força gravitacional, responsável pelo movimento das estrelas. Quanto mais matéria, maior a velocidade de rotação.
Recentemente esse fenômeno foi comprovado também entre o Sol e o centro da Via Láctea. O trabalho foi feito por Fabio Iocco, do IFT/Unesp e do ICTP-SAIFR, em colaboração com pesquisadores europeus.
“Há uma possibilidade de a matéria escura não existir, mas, para mim, ela é atualmente a melhor explicação, pois descreve o problema para diferentes escalas e corpos astronômicos”, diz Iocco. “Não sabemos exatamente o que ela é, mas sabemos que é matéria, por gerar força gravitacional, e que não interage com luz. Acredito que nosso trabalho contribuirá com estudos que buscam compreender o que a matéria escura realmente é e como ela está distribuída no universo”.
Outra anomalia é a aceleração de expansão do universo. Para a Relatividade Geral o universo não poderia estar acelerando, pois a matéria como a conhecemos atrai outros corpos, o que desaceleraria a expansão. Os físicos atribuem a aceleração à chamada energia escura, que continua a ser um mistério para a ciência.
Ondas gravitacionais
Uma das previsões corretas da Relatividade Geral são as ondas gravitacionais. Antes da teoria, acreditava-se que o efeito da gravidade era instantâneo. Para isso, a velocidade de propagação da força teria que ser infinita. Em sua Teoria da Relatividade Especial, contudo, Einstein previu que nada viaja em velocidades superiores à da luz. A gravidade teria que se propagar através das ondas gravitacionais.
Por interagirem muito fracamente com a matéria, essas ondas são difíceis de detectar. A comprovação de que elas existiam foi feita em 1974 por Russell Hulse e Joseph Taylor, ao notarem que a órbita de duas estrelas de nêutrons, que giravam uma ao redor da outra, estava diminuindo. O sistema estava perdendo energia, que era liberada na forma de ondas gravitacionais.
Atualmente, grandes experimentos, como o Virgo, na Itália, e o LIGO, nos Estados Unidos, tentam fazer a detecção direta dessas ondas. Como elas causam uma perturbação no espaço ao se propagar, é possível notar seu efeito em um sistema preciso de lasers e espelhos – a onda alteraria a distância entre os espelhos, em cerca de um milionésimo de um bilionésimo de metro, e o tempo para o laser completar o circuito mudaria.
“A detecção direta de ondas gravitacionais seria importante por diversos motivos”, diz Riccardo Sturani, pesquisador do ICTP-SAIFR e membro da colaboração LIGO. “Poderíamos ver corpos que não emitem luz, mas que emitem ondas gravitacionais, e poderíamos comparar as ondas observadas com as previstas pela Relatividade Geral para verificar se a teoria está realmente correta”.
Relatividade Especial e Relatividade Geral
A Teoria da Relatividade Especial foi formulada por Einstein e outros pesquisadores em 1905 e revolucionou a Física por mudar a forma como vemos o tempo e o espaço.
“Na física Newtoniana esses conceitos eram absolutos”, diz o físico Alberto Saa, da Unicamp. “Ou seja, independentemente de você estar parado ou em movimento, o tempo passa de forma igual e o espaço é o mesmo. Já a Relatividade Especial, como o próprio nome diz, mostrou que o tempo e o espaço são relativos – eles dependem do observador e de sua velocidade. Quanto mais alta a velocidade de um corpo, mais devagar o tempo passará para ele, e mais o espaço se contrairá à sua frente”.
Depois, com Teoria da Relatividade Geral, a gravidade deixou de ser vista como uma interação entre corpos e passou a ser vista como uma deformação no espaço-tempo. A massa de um corpo é responsável por causar uma curvatura que afeta o movimento de outros corpos, atraindo-os para perto de si. Quanto maior a massa, maior a deformação.
Além disso, para Newton, a força gravitacional não influenciava a luz. Já para Einstein, massa e energia são equivalentes – como diz sua famosa equação, energia é igual a massa multiplicada pela velocidade da luz ao quadrado, ou E = mc2. Assim, a trajetória de um feixe de luz pode ser alterada pela gravidade.
Uma importante aplicação dessas teorias está nos Global Positioning Systems, os GPSs. Como os satélites que estão em órbita da Terra estão sujeitos a uma força gravitacional diferente da nossa, a teoria de Einstein prevê que seus relógios andariam mais rápido. Quando o primeiro satélite de GPS foi colocado em órbita, o fenômeno foi comprovado experimentalmente. Sem os ajustes que a teoria propõe, o GPS não funcionaria.
Outras teorias
A Relatividade Geral explica fenômenos de escalas macroscópicas, porém não se sabe como aplicá-la em escalas subatômicas. Para estudar esses fenômenos, a Mecânica Quântica é usada. A conciliação entre as duas é um grande desafio para a Física, e algumas teorias, formuladas ao longo do último século, caminham nessa direção.
A Gravitação Teleparalela, ou Teleparalelismo, é uma delas. Criada na década de 50, ela descreve a gravitação através da torção do universo, e não através da curvatura, como a Relatividade Geral. O Teleparalelismo se encaixa dentro do esquema das Teoria de Gauge, que explicam, por relações de simetria, as demais interações da natureza – a eletromagnética, a Força Fraca e a Força Forte.
“Uma das principais características do teleparalelismo é que, diferente da Relatividade Geral, ele permite separar a gravitação de efeitos inerciais”, diz José Geraldo Pereira, pesquisador do IFT/Unesp que, junto com Ruben Aldrovandi, contribuiu para a consolidação da teoria e escreveu o primeiro livro dedicado exclusivamente a ela, Teleparallel Gravity: An Introduction, publicado em 2012. “Podemos, assim, definir inequivocamente a energia do campo gravitacional, o que é impossível com a Relatividade Geral. O teleparalelismo também parece ser mais apropriado para estudar fenômenos gravitacionais na escala quântica”.
A Teoria das Cordas também é bastante estudada e tenta complementar a Relatividade Geral para explicar a gravitação na escala quântica. Elaborada na década de 70, ela também é baseada em simetrias e prevê que as partículas são espécies de cordas unidimensionais que estão em constante vibração.
“Atualmente, a Teoria das Cordas é o modelo mais bem aceito para unir a Relatividade Geral com a Mecânica Quântica”, diz Nathan Berkovits, diretor do ICTP-SAIFR e pesquisador do IFT/Unesp. “Com ela conseguimos prever o espalhamento de ondas gravitacionais, incluindo os efeitos quânticos”.
Para Dodelson, a unificação das teorias é um problema teórico, pois não há observações que exijam que elas sejam conciliadas. O pesquisador acredita que ao longo da próxima década, com experimentos em escalas maiores, obteremos mais dados e alguns modelos serão eliminados. A busca por uma “teoria de tudo” continuará.
“Um grande triunfo da Física é sua habilidade de explicar uma abrangente gama de fenômenos com algumas poucas leis”, diz ele. “Esse reducionismo atingiria o seu limite se todas as leis pudessem ser unificadas em uma única teoria. O problema é que, na maioria dos casos, a unificação de ideias é difícil, quando não é impossível, de se testar”.
*Texto publicado na revista Unesp Ciência, número 62, abril/2015. Veja a versão em PDF clicando aqui.