Alunos da América Latina se reúnem em curso sobre matéria escura
Mais de 80 alunos de pós-graduação de 17 países participaram do curso na Unesp
Por Marcos Jorge – Assessoria de Comunicação e Imprensa/UNESP
O Instituto de Física Teórica (IFT) recebeu entre os dias 27 de junho e 8 de julho a primeira Escola sobre Matéria Escura, que reuniu mais de 80 estudantes de pós-graduação de 17 países – a maioria deles da América Latina. A proposta do curso foi organizada pelo braço sul-americano do Centro Internacional de Física Teórica (ICTP-SAIFR), que está localizado nas dependências do IFT e tem como objetivo promover o estudo da física teórica na região.
O curso foi direcionado a pós-graduandos e seu conteúdo procurou contemplar as diferentes áreas que envolvem o estudo da matéria escura, bem como proposição de exercícios práticos e sessões de discussão para esclarecimento de dúvidas. Dois dos organizadores da Escola são pesquisadores do IFT: os professores Eduardo Pontón Bayona e Fabio Iocco. Além deles, os pesquisadores Gianfranco Bertone (Universidade de Amsterdã, na Holanda,) e Graciela Gelmini (Universidade da Califórnia em Los Angeles, Estados Unidos) também colaboraram remotamente na elaboração da programação e na seleção dos palestrantes brasileiros e estrangeiros.
Os organizadores argumentam que uma das motivações para organizar o curso de curta duração é o aumento nos últimos anos do número de estudantes interessados em estudar a matéria escura. “Às vezes o estudante não encontra alguém que trabalhe esse assunto na sua instituição e acaba perdendo a oportunidade de se aprimorar na área. A proposta do curso foi oferecer um conteúdo amplo para que o aluno tenha uma visão geral do assunto. A reunião de alunos estrangeiros também promove o diálogo com os colegas e pode ajudar na formação de uma comunidade no tema”, explica Pontón.
O pesquisador do IFT explica que o estudo da matéria escura abrange diversas áreas da Física, como cosmologia, física de partículas ou astrofísica. “Foi muito importante para nós organizadores encontrarmos pessoas que não fossem apenas pesquisadores qualificados, mas reconhecidamente bons professores em suas respectivas áreas”, explica Pontón, ele mesmo especialista em física de partículas.
Um desses professores é Pasquale Serpico, professor do LAPTh, a unidade de física teórica do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, que discutiu em sua palestra as evidências cosmológicas e astrofísicas para detecção da matéria escura. O italiano começou de fato a estudar o tema durante um pós-doc nos Estados Unidos. “O que me interessou foi justamente esse aspecto multidisciplinar de combinar conhecimentos de temas puramente astrofísicos com fundamentos da física de partículas”.
Serpico acredita que a matéria escura vem se tornando um tópico popular na comunidade científica muito por conta do desenvolvimento de novas tecnologias aplicadas em laboratórios como o Fermilab (laboratório de física de partículas de altas energias localizado nos EUA) ou de detecção direta subterrâneas. Segundo o pesquisador italiano, tais tecnologias atingiram tamanho nível de sensibilidade que permitem explorar novos elementos do espaço. “Atualmente estamos em um ponto em que mesmo quando um experimento não detecta algo, isso já é uma informação importante”, argumenta.
Outro organizador residente no IFT, Fabio Iocco acrescenta ainda que desde os anos 30 existe a noção de que falta matéria visível nos aglomerados de galáxias, porém foi apenas nas últimas décadas que se formou um consenso na comunidade científica mundial que essa matéria escura deveria estar fora do Modelo Padrão da física de partículas. “É neste momento que a matéria escura deixa de ser um problema unicamente da astrofísica para envolver também a comunidade de cientistas de física de partículas. Houve então uma grande inércia para estudar o tema e a injeção de recursos financeiros a partir mais ou menos dos anos 2000”, explica o astrofísico, que em 2015 publicou um artigo de grande repercussão na revista Nature Physics, em que comprova pela primeira vez a presença de matéria escura entre o Sol e o centro da Via Láctea.
Além dos pesquisadores Fabio Iocco e Eduardo Pontón, a equipe que se dedica ao estudo da matéria escura inclui também o professor Rogério Rosenfeld, que investiga cosmologia e a fenomenologia de partículas, além de integrar o Dark Energy Survey, um projeto internacional que estuda a dinâmica da expansão do universo.
A Escola recebeu no total 84 alunos, sendo 70 deles oriundos de instituições da América Latina. Os chilenos Felipe Rojas e Bastian Dias são estudantes ligados à Universidade Técnica Federico Santa Maria, na cidade de Valparaiso, e destacaram a capacidade do curso em cobrir os principais temas da matéria escura. “O aluno que estiver começando seus estudos no assunto teve um cenário geral bastante bom, e quem já tem alguma experiência pode afinar detalhes da pesquisa”, explica Rojas, que abordou a matéria escura em seu doutorado. “O curso também oferece a oportunidade de discutir o tema de pesquisa com outros colegas e fazer boas conexões”, aponta.
Estella Barbosa de Souza é brasileira, mas está fazendo seu doutorado na Yale University, nos Estados Unidos. Seu interesse pela matéria escura começou ainda na graduação – também realizada nos EUA -, o que a motivou a se aprofundar no tema para o doutorado. “A primeira semana de aulas tem sido mais teórica do que eu estou acostumada, uma vez que minha área de estudo é mais experimental. Ainda assim os professores tem sido ótimos na forma como transmitem o conteúdo”, explica a aluna que está envolvida em um projeto chamado DM Ice, que se dedica a detecção subterrânea de matéria escura em experimentos realizadas na Antarctica.
Gênero e Física Teórica
Entre palestras e exercícios sobre matéria escura, um tema se destacou da programação da Escola: uma discussão sobre Física e Gênero na América do Sul. A proposta de debater a representatividade masculina e feminina no campo ocupou quase duas horas do cronograma da terça-feira, dia 5, e partiu de uma iniciativa das professoras e dos organizadores do curso.
“A motivação desse debate foi chamar a atenção para questões que as mulheres enfrentam no estudo da Física na América do Sul e em outras partes do mundo”, explica a professora Nassim Borzognia, da Universidade de Amsterdã, que conduziu os debates ao lado das colegas Francesca Calore, também professora da instituição holandesa, Manuela Vecchi, do Instituto de Física de São Carlos (USP), e Nayara Fonseca, do Instituto de Física da USP, em São Paulo.
“Estávamos interessadas especialmente em ouvir as experiências dos estudantes em relação a tratamentos desiguais durante seus estudos e discutir, em um ambiente aberto, alguns dos preconceitos conscientes e inconscientes que as alunas enfrentam”, aponta. Durante o encontro foram apresentaram dados sobre a proporção de homens e mulheres no curso e convidaram as pessoas presentes na audiência a comparar com a proporção em suas respectivas instituições.
De forma geral, os alunos de diferentes países apontaram um predomínio masculino nos programas de Física Teórica, seja entre os estudantes ou no corpo discente. Os depoimentos levantaram questionamentos sobre, por exemplo, o motivo e o momento em que as mulheres se desinteressam pelo estuda da Física.
“Este não é uma discussão que nós costumamos ver nas escolas de Física e me surpreendeu de forma positiva ver este tipo de debate aqui”, afirmou Manoela Saez, doutoranda em Astronomia da Universidade Nacional de la Plata, na Argentina. “O que eu noto na Argentina é que também existem mais homens que mulheres estudando Física. Apenas o curso de Astronomia é mais equilibrado”.
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