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ICTP-SAIFR celebra 12 anos aproximando alunos e pesquisadores em Física do mundo inteiro

Written by Felipe Saldanha on February 28th, 2024. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Instituto sediado no IFT-Unesp, inspirado em centros internacionais de excelência, expande suas atividades a partir de 2025

 

 

O ano de 2024 marca o 12º aniversário do Instituto Sul-Americano para Pesquisa Fundamental (ICTP-SAIFR), centro internacional sediado no Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp, em colaboração com a Fapesp e o Centro Internacional de Física Teórica (ICTP). Desde sua criação, o instituto recebeu cerca de 9 mil estudantes e pesquisadores visitantes em mais de 350 escolas, workshops e outras atividades presenciais. Também possui uma programação voltada a tornar a Física mais acessível a diversos segmentos da sociedade. “Seguindo o modelo do ICTP, e com o apoio da Fapesp e Unesp e fontes privadas, conseguimos criar um polo onde alunos e pesquisadores da América do Sul podem interagir diretamente com físicos renomados do mundo inteiro”, destaca Nathan Berkovits, professor do IFT e diretor do ICTP-SAIFR.

Para celebrar a efeméride, o instituto realizou, dos dias 18 a 20 de fevereiro, um simpósio com cientistas de diversas partes do mundo, que incluiu palestras para os públicos geral e especializado, bem como discussões sobre centros de Física e a próxima fase do ICTP-SAIFR, com a expansão das suas atividades a partir de 2025. 

A vice-reitora da Unesp, Maysa Furlan, iniciou a cerimônia de abertura enfatizando como o ICTP-SAIFR é primordial para “a internacionalização da universidade”, definido por ela como um “processo transformador”, e ressaltou o “conhecimento qualificado” gerado pelo instituto e registrado em publicações científicas. Na sequência, o presidente da Fapesp, Marco Antonio Zago, afirmou que é objetivo da agência fazer do ICTP-SAIFR “o mais importante hub de Física na América Latina”. Ele também reiterou a determinação do órgão em “apoiar fortemente o SAIFR, expandir seu cronograma anual de reuniões e seminários, bem como criar um novo formato para juntar cientistas para discutir e propor soluções às temáticas que são centrais” para o instituto.

Os 12 anos do ICTP-SAIFR coincidem com os 60 anos do ICTP, fundado em Trieste (Itália) por Abdul Salam, físico paquistanês laureado com o Nobel em 1979. “A ideia original do ICTP era realmente criar um centro internacional de ciência, onde pesquisadores de todo o mundo pudessem se reunir para ajudar a tornar a ciência globalmente disponível e superar as barreiras de gênero e etnia”, e também geográficas e econômicas, explica Atish Dabholkar, diretor do ICTP. Nesse sentido, o ICTP-SAIFR – o primeiro dos atuais quatro institutos regionais parceiros do ICTP – reproduz localmente, na América do Sul, o que o ICTP realiza globalmente. 

A presença do ICTP no Brasil, especificamente em São Paulo, “cria um ambiente internacional imprescindível para que nós possamos desenvolver conhecimento”, afirma Vahan Agopyan, secretário estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação. “No mundo globalizado, os centros de pesquisa e desenvolvimento necessariamente têm que ser internacionalizados. Para fazer essa internacionalização, não basta apenas a mobilidade dos alunos ou dos professores”, diz o secretário. “Nós temos que trazer as instituições do exterior para trabalhar aqui junto conosco”.

O ICTP-SAIFR também “tem tido um papel importante na Física brasileira” na visão de Rodrigo Capaz, professor da UFRJ e presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF), devido à “realização de eventos, seminários, escolas” para pesquisadores, além das atividades para público geral e outras ligadas ao ensino de Física. Ele também menciona as missões complementares entre ambas as instituições, que “podem trabalhar juntas numa grande variedade de agendas”.

O modelo de funcionamento do ICTP-SAIFR é inspirado no de outros centros internacionais de excelência, como o Instituto Kavli de Física Teórica (KITP), nos EUA. David Gross, prêmio Nobel de Física de 2004 e ex-diretor do KITP, aponta pelo menos três razões para o sucesso de institutos como o ICTP-SAIFR. A primeira é que cientistas “amam se encontrar e conversar”: “Nós temos tempo para trocar ideias, explicar o que estamos fazendo, discutir com nossos colegas. Essa é a melhor forma de fazer ciência teórica”.

A segunda razão é que esses centros conseguem juntar “pessoas de diferentes campos – o que não é fácil de fazer em universidades tradicionais com departamentos – e isso pode transformar campos, que aprendem de outros campos, e muitas vezes criar novos campos”, indica David Gross. A terceira é que, para jovens pesquisadores, esses institutos são um “ótimo ambiente de treinamento” por expô-los a diversas atividades em suas próprias áreas e, ainda mais importante, em outras que não dominam.

A seleção dos eventos realizados pelo instituto é uma das responsabilidades do seu Conselho Científico, formado na maior parte por pesquisadores externos ao instituto, de diferentes países. Para André de Gouvêa, da Universidade Northwestern (EUA) e membro do conselho, isso respalda e aumenta a respeitabilidade do ICTP-SAIFR, na medida em que essas pessoas estão interessadas no sucesso do instituto, mas sem se envolver com a sua gestão. Ele acrescenta que o grupo é composto por especialistas de diferentes áreas, o que colabora para o surgimento de “ideias novas o tempo todo”.

O também membro do Conselho Científico e pesquisador do Instituto Perimeter (Canadá), Luis Lehner, reforça que, além dos eventos de pesquisa, o ICTP-SAIFR vem promovendo ações de divulgação científica, como atividades para professores e estudantes do Ensino Médio baseadas em material produzido pelo Perimeter e traduzido para português e espanhol pelo ICTP-SAIFR. O pesquisador acredita que esta é “uma forma de realmente fortalecer a visão de que a ciência, e a Física em particular, é muito democrática e só podemos melhorar tentando envolver todos os níveis da sociedade”. Outras ações incluem exibições e debates de filmes com temas relacionados à ciência e palestras de pesquisadores renomados voltadas ao público geral.

Na nova fase do ICTP-SAIFR, a partir de 2025, suas atividades serão expandidas para incluir  programas de longa duração nas áreas de Física da Vida, Física Fundamental e Sistemas Quânticos/Inteligência Artificial. “Planejamos iniciar programas semelhantes aos do KITP com especialistas convidados e muito tempo para discussão, que estimulem colaborações entre pesquisadores locais e os cientistas visitantes”, anuncia Nathan Berkovits, diretor do ICTP-SAIFR.

Felipe Saldanha é coordenador de comunicação e jornalista de ciência do ICTP-SAIFR com bolsa Fapesp. Colaboraram Ana Luiza Sério e Celina Lerner (ICTP-SAIFR).

 

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Assista ao vídeo com os melhores momentos do simpósio do 12º aniversário do ICTP-SAIFR:

Eventos do ICTP-SAIFR abordam diversidade e inclusão na Física

Written by Felipe Saldanha on November 23rd, 2023. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

“Increasing Diversity” teve foco em ações de desenvolvimento de carreira e “Boost STEM” apresentou iniciativas nacionais e internacionais

Por Felipe Saldanha (ICTP-SAIFR), com colaboração de Ana Clara Moreira (ICTP-SAIFR)* 

 

 

Na semana de 13 a 17 de novembro, o ICTP-SAIFR realizou dois workshops sobre diversidade e inclusão no Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp, na cidade de São Paulo. O primeiro foi o “Increasing Diversity and Inclusion in Science” (Aumentando a Diversidade e a Inclusão na Ciência), que teve o objetivo de fornecer ferramentas de apoio para as carreiras de alunos e jovens pesquisadores pertencentes a grupos com baixa representação. O segundo foi o “Proposals to Boost STEM Participation in Underrepresented Groups” (Propostas para Aumentar a Participação STEM de Grupos Sub-representados), com o intuito de discutir iniciativas no Brasil, Argentina e EUA que contribuem para aumentar a diversidade na ciência com foco nas populações afrodescendentes, indígenas e de baixa renda. 

O primeiro evento teve palestras plenárias de pesquisadoras em diferentes estágios profissionais: Sendy Melissa Santos do Nascimento, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL); Sônia Guimarães, do Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA); e Renata Wasserman, da Universidade de São Paulo (USP). Sendy Nascimento falou sobre sua carreira e mulheres negras que a inspiram, como a matemática Katherine Johnson, uma das responsáveis pelo tráfego aéreo como se conhece hoje. Sônia Guimarães e Renata Wasserman explanaram sobre suas trajetórias profissionais nas suas instituições e as barreiras que enfrentam. Houve ainda dois painéis de discussão. O primeiro, intitulado “Inclusão e diversidade em Ciência e Tecnologia: uma iniciativa para igualdade e desenvolvimento”, teve mediação de Zélia Maria Da Costa Ludwig, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e o segundo teve como título “Gênero e transição tecnológica na América Latina” e como mediadora Alba Avila-Bernal, da Universidade dos Andes (Colômbia).

Também integrou a programação uma edição especial do Ciência no Cinema, com exibição do filme Estrelas Além do Tempo no Cine Belas Artes, no dia 14, seguida de debate com Zélia Ludwig, da UFJF. No debate, a professora comentou sobre meritocracia, as dificuldades que mulheres negras têm ao acessar espaços acadêmicos e como elas são silenciadas. Ela acrescentou: “Precisamos empoderar as mulheres para que elas possam acreditar que podem e conseguem, e precisamos fazer isso juntas”.

O primeiro dia do segundo evento, Boost STEM (sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), foi voltado a experiências internacionais. Young-Kee Kim,  presidente eleita da Sociedade Americana de Física (APS), mostrou como a instituição tem trabalhado para aumentar a inclusão e abraçar diversas perspectivas. Silvina Ponce Dawson, presidente designada da União Internacional de Física Pura e Aplicada (IUPAP), falou sobre ações desta entidade para ampliar a inclusão e a diversidade na Física.

Jim Gates, ex-presidente da APS e ganhador da Medalha Nacional da Ciência dos EUA, ofereceu um relato de sua própria vida enquanto homem negro, mostrando como tem desafiado barreiras e vivido a diversidade em STEM. Por fim, Valeria Viva, cofundadora da XSTEM (Argentina), dissertou sobre como a sua organização tem aplicado a educação STEM para adolescentes. As discussões foram finalizadas com uma mesa-redonda com a participação dos palestrantes.

O segundo dia deu destaque a iniciativas brasileiras. Maria Lucia Santana Braga, analista e membro da equipe do Programa Mulher e Ciência do CNPq, apresentou o Painel de Fomento em Ciência, Tecnologia e Inovação, que consegue, pela primeira vez, detalhar com dados explícitos a proporção no Brasil dos gêneros e etnicidades nos vários níveis da carreira.  Lazaro Cunha, diretor do Instituto Steve Biko e coordenador do Oguntec, explicou o funcionamento do projeto, uma experiência de ações afirmativas na educação científica de jovens negros de escolas públicas da Bahia. Rogerio Monteiro de Siqueira, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, explanou sobre o programa de pós-doutorado para pesquisadores negros nesta universidade, e Celso Lins de Oliveira, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP, abordou as barreiras e a sub-representação negra na docência do Ensino Superior.

Na sequência, houve uma mesa-redonda com todos os palestrantes do dia, que incluiu também Rodrigo Barbosa Capaz, presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF), e Marcelo Knobel, ex-reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Capaz citou iniciativas da SBF como os prêmios Anselmo Salles Paschoa (outorgado a pessoas negras em início de carreira na pesquisa em Física) e Carolina Nemes​ (para mulheres físicas em início de carreira) e a Comissão JEDI – Justiça, Equidade, Diversidade e Inclusão, presidida por Sônia Guimarães. Knobel discutiu o Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS), projeto que já preparou mais de mil estudantes de Ensino Médio, vindos de escolas públicas de Campinas, para ingressar na Unicamp.

“O Boost STEM foi um evento essencial para ouvir as demandas da comunidade e melhor planejar atividades futuras, com atenção especial aos grupos sub-representados como a população negra, o povo indígena, as pessoas de baixa renda, mulheres e outras identidades de gênero”, afirma Karen Hallberg, do Instituto Balseiro (Argentina), uma das organizadoras do evento e membro do conselho científico do ICTP-SAIFR. As gravações das transmissões ao vivo e materiais de apoio do Increasing Diversity e do Boost STEM estão disponíveis no site do ICTP-SAIFR.

*Felipe Saldanha e Ana Clara Moreira são bolsistas Fapesp de Jornalismo Científico no ICTP-SAIFR.

Escola prepara futuros líderes da pesquisa em Física

Written by Felipe Saldanha on November 17th, 2023. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

“Journeys”, curso do ICTP-SAIFR/IFT-Unesp com Instituto Perimeter (Canadá) para graduandos de alto desempenho, oferece formação de ponta, networking e a chance de cursar mestrado em conjunto com um instituto de excelência no exterior

Por Felipe Saldanha

 

Neste exato momento, alguns dos pesquisadores em Física propensos a se tornarem os mais importantes da próxima geração ainda estão cursando a graduação. Para aumentar as chances de sucesso em suas carreiras, é preciso identificá-los, oferecer oportunidades de aperfeiçoamento e envolvê-los em colaborações internacionais. É com este intuito que, em julho, o ICTP-SAIFR, o Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp e o Instituto Perimeter de Física Teórica (Canadá) realizaram a sexta edição do Journeys into Theoretical Physics.

A origem do Journeys remete às Jornadas da Física Teórica, evento realizado pelo IFT-Unesp nas últimas três décadas como forma de divulgar os trabalhos desse instituto – cujos alunos são todos de pós-graduação – para estudantes de graduação de São Paulo. No formato atual, o propósito inicial foi expandido e, agora, o Journeys busca alcançar alunos de toda a América Latina, tendo como um dos principais atrativos a oportunidade de ingresso em um mestrado internacional conjunto entre ICTP-SAIFR/IFT-Unesp e Perimeter. As inscrições para a próxima edição têm abertura prevista para o início de 2024.

O físico Pedro Vieira (foto à esquerda), coordenador da parceria Perimeter-SAIFR-IFT e professor em conjunto das duas instituições, explica que o Journeys procura alunos com desempenho excepcional em fim de curso e, por isso, impõe exigências desde o processo seletivo, que requer dos candidatos uma declaração de interesse, histórico escolar e cartas de recomendação de professores. Estudantes de fora da cidade de São Paulo podem solicitar ajuda de custo, que cobre hospedagem, transporte e alimentação.

A programação do Journeys, ofertada por professores do ICTP-SAIFR/IFT-Unesp e do Perimeter, cobre quatro tópicos de Física Teórica em nível básico, de modo um pouco menos avançado que as escolas tradicionalmente promovidas pelo ICTP-SAIFR, mas com temas que avançam o currículo da graduação (leia mais no box ao fim deste texto). Após cinco dias de palestras, os alunos são submetidos a dois dias de rigorosos exames escritos, que funcionam tanto como ferramenta de aprendizado quanto mecanismo de seleção para o mestrado internacional. Em 2023, os selecionados para esse mestrado foram Francisco Divi, do Instituto Balseiro, na Argentina; Matheus Balisa Pauliquevis, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP); e Levy Bruno do Nascimento Batista, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP).

Para Vieira, o Journeys amplifica o “grau da colaboração” entre ICTP-SAIFR/IFT-Unesp e Perimeter ao ir além de um simples memorando de entendimento e proporcionar a formação de uma “massa crítica”. Ele ainda destaca que o Journeys proporciona vantagens para todos os envolvidos. Para o ICTP-SAIFR/IFT-Unesp, por atrair “esses alunos que seria muito difícil atrair de outra forma, que são de fato de topo e iriam para outras universidades de topo”. Para o Perimeter, que recebe estudantes que costumam ficar entre os melhores da instituição canadense. E para os próprios alunos, que “não têm acesso a nenhum mecanismo para se distinguirem como têm nesta escola”.

Lua Figueiredo (esq.) e Dario Escriba (dir.): alunos do Journeys fazem networking e se aprofundam em tópicos diversos

O Journeys é igualmente uma oportunidade de fazer networking. Vieira conta que os alunos são encorajados a “ir bater à porta das pessoas enquanto aqui estão para descobrir potenciais supervisores para o futuro”. Aproximar-se de professores reconhecidos na área, do Brasil e da América Latina, foi justamente um dos motivos para a graduanda do IFUSP Lua Figueiredo ter optado por participar da escola por dois anos consecutivos. Ela ainda aproveitou o evento para se aprofundar em matérias com as quais não é tão familiarizada e “ver o que se faz nas outras áreas”.

Motivos semelhantes trouxeram ao Journeys, também pela segunda vez, o graduando Dario Escriba, da Universidade Nacional Maior de São Marcos (Peru). Ele afirma que os tópicos abordados na escola não costumam ser discutidos nos países em desenvolvimento. O estudante considerou o conteúdo como denso e difícil de “resumir e revisar” em poucas horas de aula, mas apontou como “muito útil” a disponibilização das gravações no YouTube.

Vieira aponta que o Journeys estabelece “uma noção de grupo entre os alunos, porque serão os futuros líderes da Física da América Latina” e muitas vezes vão se conhecer pela primeira vez no evento, o que “vai certamente ter um impacto no futuro, de criar um sentido de comunidade e um sentido de colaboração”. Assim, é possível que estudantes como Figueiredo e Escriba se tornem, dentro de alguns anos, coordenadores de algumas das escolas avançadas do ICTP-SAIFR.

Felipe Saldanha é jornalista de ciência do ICTP-SAIFR com bolsa Fapesp.

 

INTRODUÇÕES E APROFUNDAMENTOS

Tópicos abordados na escola unem o básico às discussões mais contemporâneas da Física Teórica

 

Introdução à supersimetria

Nathan Berkovits, ICTP-SAIFR / IFT-Unesp

Formulada há 50 anos como uma generalização das simetrias de espaço-tempo, mas com novas coordenadas para além das quatro mais conhecidas (as três dimensões espaciais e uma temporal), a supersimetria – aplicada à gravidade – “parece ser a única maneira para unificar a Relatividade Geral com Mecânica Quântica sem encontrar inconsistências”, aponta Berkovits. “Mas, até agora, os experimentos não encontraram evidências para essa nova simetria. Então ainda está incerto se a supersimetria vai ser relevante para entender a Física do nosso universo”.

 

Aprendizado de máquina para matéria quântica

Juan Carrasquilla, Instituto Vector para Inteligência Artificial (Canadá)

Avanços na inteligência artificial (IA) estão revolucionando as ciências da natureza em geral e a Física em particular, com ferramentas para facilitar a compreensão de fenômenos naturais mais precisas que as técnicas tradicionais. No caso específico da matéria quântica, “a IA desempenha um papel fundamental no tratamento de grandes volumes de dados por meio do reconhecimento de padrões, produzindo insights mais profundos a partir de dados experimentais de imagens eletrônicas”, explica Carrasquilla. Para o pesquisador, a união entre IA e Física “abre novos caminhos de exploração, permitindo-nos enfrentar problemas complexos de forma mais eficiente”.

 

Introdução ao efeito Hall quântico

Yin-Chen He, Instituto Perimeter de Física Teórica (Canadá)

“O efeito Hall quântico é um belo exemplo de como os sistemas do mundo real podem exibir fenômenos quânticos notáveis em escala macroscópica, contrastando com o reino microscópico usual onde ocorrem fenômenos quânticos”, diz He. De acordo com o pesquisador, este efeito está envolvido em ideias e subcampos de Física e Matemática que estão na vanguarda da pesquisa. Entre as suas potenciais aplicações tecnológicas, está “a construção de computadores quânticos livres de erros, conhecidos como computadores quânticos topológicos. Este campo ainda é uma área de pesquisa ativa e contínua”, conclui He.

 

Problemas em aberto na Física de Partículas

Ricardo Matheus, IFT-Unesp

Neste curso, Matheus parte de algo bem estabelecido na Física, o modelo padrão, que combina dois dos pilares fundamentais da Física contemporânea – a quântica e a relatividade – para descrever “não somente as partículas subatômicas (de que tudo que vemos é feito) mas também suas interações, dando assim conta das três forças fundamentais que importam neste mundo pequenino”. A partir daí, segundo o pesquisador, “podemos discutir também tudo aquilo que ele não explica: a massa dos neutrinos e a matéria escura, ambos problemas ainda sem solução”.

Ricardo Martínez-García ganha prêmio internacional de carreira em pesquisa de sistemas complexos

Written by Felipe Saldanha on October 25th, 2023. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

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Jovem pesquisador do CASUS e SAIFR foi reconhecido por seu trabalho em Física Estatística para melhor compreender a dinâmica de sistemas vivos complexos

Foto: Divulgação/CSS

O físico Ricardo Martínez-García é um dos dois ganhadores do Prêmio Científico Júnior 2023 da Sociedade de Sistemas Complexos (CSS). A CSS concede esse prêmio a jovens investigadores que tenham alcançado resultados notáveis na sua busca pela compreensão de sistemas complexos. O anúncio foi feito em 20 de outubro durante a conferência anual da CSS, o maior e mais importante encontro internacional do mundo para a comunidade de pesquisa de sistemas complexos. Martínez-García atualmente lidera um Grupo de Jovens Pesquisadores no Centro para Compreensão de Sistemas Avançados (CASUS) em Helmholtz-Zentrum Dresden-Rossendorf (HZDR, ambos na Alemanha) e é pesquisador associado no Instituto Sul-Americano para Pesquisa Fundamental (ICTP-SAIFR) e no Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (IFT-Unesp).

O que têm em comum o tráfego de veículos, o cérebro, a sociedade humana e o microbioma? Todos esses são exemplos de sistemas complexos formados por muitos componentes interagindo entre si de maneiras muito intricadas. Como resultado destas interações, tais sistemas exibem frequentemente novas propriedades emergentes que são muito diferentes das propriedades combinadas das partes individuais que os constituem. A pesquisa em sistemas complexos constrói pontes entre domínios científicos tradicionais.

Essa é também uma característica distinta do trabalho de Martínez-García, que estuda uma variedade de sistemas, desde comunidades microbianas, como biofilmes bacterianos, até ecossistemas áridos e semiáridos como as estepes. Através dessa variedade de sistemas, sua investigação concentrou-se na compreensão de como diferentes organismos, sejam espécies de plantas numa estepe ou bactérias num biofilme, interagem entre si e como essas interações impactam o funcionamento do sistema como um todo. Ao estudar todos esses exemplos utilizando uma abordagem de sistemas complexos, a investigação de Martínez-García visa compreender até que ponto os diferentes sistemas ecológicos são governados por um conjunto mínimo de regras, o que melhorará a nossa capacidade de os manipular e, esperançosamente, de os conservar.

Comitê de Seleção destaca o trabalho de Martínez-García sobre dinâmica organizacional

A Sociedade de Sistemas Complexos promove a investigação de sistemas complexos desde que se tornou uma sociedade internacional em 2006. O seu Prémio Científico Júnior visa reconhecer o excelente desempenho científico de jovens investigadores nos 10 anos após a defesa do doutoramento. É atribuído uma vez por ano a um máximo de dois jovens investigadores. A decisão é tomada por uma Comissão de Seleção nomeada pela Comissão Executiva da CSS. Na declaração de premiação, o Comitê de Seleção fez referência ao trabalho teórico de Martínez-García sobre dinâmicas coletivas evolutivas, organizacionais e ecológicas.

Martínez-García afirma que seu interesse por sistemas ecológicos complexos começou por causa de seu amor por estar ao ar livre e observar como as coisas acontecem na natureza: “Quando aprendi no Ensino Médio que era possível usar a Física e a Matemática para entender as regras por trás desses fenômenos naturais pelos quais estava apaixonado, ficou evidente que eu queria explorar mais profundamente essa interface.”

Ele também destaca como as interações com colegas cientistas ajudaram a moldar seu programa de pesquisa ao longo dos anos: “Uma das partes que mais gosto no meu trabalho é conversar com pessoas com diferentes formações científicas e aprender como elas pensam sobre questões e problemas que eu também acho interessante.”

“Um trabalho fantástico”

O pesquisador acrescenta que o prêmio o incentiva a continuar trabalhando arduamente, um conselho que dá aos estudantes interessados em escolher a ciência como profissão – que é tão emocionante quanto desafiadora: “É muito gratificante ver que os seus pares reconhecem a relevância do seu trabalho e o consideram merecedor desse reconhecimento. Acredito que muitas vezes nos concentramos demais nas rejeições e nas desvantagens de seguir uma carreira científica, embora seja, em geral, um trabalho fantástico.”

Martínez-García obteve seu doutorado em Física Estatística e Sistemas Complexos no Instituto de Física Interdisciplinar e Sistemas Complexos (IFISC), um centro de pesquisa conjunto do Conselho Nacional de Pesquisa Espanhol (CSIC) e da Universidade das Ilhas Baleares (Espanha). Sua tese combinou abordagens da Física e das Ciências da Computação para investigar diferentes problemas ecológicos, como o movimento dos animais e o surgimento de padrões regulares de vegetação em terras áridas. Ele então recebeu uma bolsa da Fundação de Pesquisa em Ciências da Vida para concluir um pós-doutorado em Ecologia e Biologia Evolutiva na Universidade de Princeton (EUA), onde investigou a interação entre a ecologia, a evolução e a multicelularidade auto-organizada das comunidades microbianas. Antes de ingressar no CASUS, Martínez-García trabalhou no ICTP-SAIFR / IFT-Unesp. Lá, foi Jovem Pesquisador da Fapesp e Professor Assistente na área de Física Biológica.

Um segundo Prêmio Científico Júnior foi este ano para Giulia Menichetti (Harvard Medical School & Brigham and Women’s Hospital, Boston, EUA), que investiga toda a complexidade química da dieta humana e desenvolve ferramentas quantitativas para revelar o impacto destes produtos químicos na nossa saúde. Por último, o Comitê de Seleção concedeu o Prêmio Sênior, o mais prestigiado reconhecimento do CSS, este ano a Melanie Mitchell (Instituto Santa Fé, EUA) referindo-se, entre outras, às suas contribuições para a computação adaptativa, a computação de inspiração biológica e a aprendizagem automática.

Sobre o Centro para Compreensão de Sistemas Avançados

O CASUS foi fundado em 2019 em Görlitz (Alemanha) e realiza pesquisas interdisciplinares de sistemas com uso intensivo de dados em disciplinas tão diversas como pesquisa de sistemas terrestres, biologia de sistemas ou pesquisa de materiais. O objetivo do CASUS é criar imagens digitais de sistemas complexos de fidelidade sem precedentes à realidade com métodos inovadores de matemática, pesquisa de sistemas teóricos, simulações, bem como dados e Ciência da Computação para dar respostas a questões sociais urgentes. Os parceiros fundadores do CASUS são o Helmholtz-Zentrum Dresden-Rossendorf (HZDR), o Centro Helmholtz de Pesquisa Ambiental em Leipzig (UFZ), o Instituto Max Planck de Biologia Celular Molecular e Genética em Dresden (MPI-CBG), a Universidade Técnica de Dresden (TUD) e a Universidade de Wrocław (UWr). O CASUS, gerido como um instituto do HZDR, é financiado pelo Ministério Federal Alemão de Educação e Pesquisa (BMBF) e pelo Ministério da Ciência, Cultura e Turismo do Estado da Saxônia (SMWK). www.casus.science

Sobre o ICTP-SAIFR

O Instituto Sul-Americano para Pesquisa Fundamental (ICTP-SAIFR) é um centro internacional criado na cidade de São Paulo por meio de uma colaboração entre o Centro Internacional de Física Teórica (ICTP) em Trieste (Itália), o IFT-Unesp e a Fapesp. Suas atividades incluem pesquisa em Física Teórica e suas aplicações, bem como treinamento para alunos de pós-graduação. O ICTP-SAIFR também promove divulgação científica e ações de extensão junto a professores e estudantes de Ensino Médio e público geral. Mais informações estão disponíveis no site ictp-saifr.org.

Sobre o IFT-Unesp

O Instituto de Física Teórica (IFT) é um departamento de pós-graduação em Física da Unesp localizado no centro de São Paulo. O IFT-Unesp foi criado em 1951 como uma fundação privada e incorporado à Unesp em 1987. Possui aproximadamente 20 professores e 70 alunos de pós-graduação em Física, e recebe nota máxima da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) desde 2011.

Ricardo Martínez-García wins international career award in complex systems’ research

Written by Felipe Saldanha on October 25th, 2023. Posted in Uncategorized

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Junior physicist from CASUS and SAIFR recognized for his work in statistical physics to better understand the dynamics of complex living systems

Credit: Courtesy of CSS

Physicist Dr. Ricardo Martínez-García is one of the two recipients of the 2023 Junior Scientific Award of the Complex Systems Society (CSS). The CSS grants this prize to young researchers who have achieved outstanding results in their pursuit to understand complex systems. The announcement was made on October 20 during the annual CSS conference, the world’s largest and most important international meeting for the complex systems research community. Martínez-García currently heads a Young Investigator Group at the Center for Advanced Systems Understanding (CASUS) at Helmholtz-Zentrum Dresden-Rossendorf (HZDR, both Germany) and is an associated researcher at the South American Institute for Fundamental Research in São Paulo (ICTP-SAIFR) and at the Institute for Theoretical Physics of São Paulo State University (IFT-UNESP, all Brazil).

What have vehicle traffic, the brain, human society and the microbiome in common? All these are examples of complex systems that are formed by many components interacting with each other in very intricate ways. As a result of these interactions, such systems often exhibit new emergent properties that are very different from the combined properties of the individual parts that constitute them. Research on complex systems builds bridges between traditional scientific domains.

This is also a distinct trait of Martínez-García’s work as he studies a variety of systems, from microbial communities, such as bacterial biofilms, to arid and semi-arid ecosystems like steppes. Across this variety of systems, his research has focused on understanding how different organisms, whether they are plant species in a steppe or bacteria in a biofilm, interact with each other and how these interactions impact the functioning of the system as a whole. By studying all these many examples using a complex-systems approach, Martínez-García’s research aims to understand to which extent different ecological systems are governed by a minimum set of rules, which will improve our ability to manipulate and hopefully conserve them.

Selection Committee highlights Martínez-García’s work on organizational dynamics

The Complex Systems Society promotes complex systems research since becoming an international society in 2006. Its Junior Scientific Award is aimed at recognizing excellent scientific record of young researchers within 10 years of the PhD defense. It is awarded once a year to a maximum of two young researchers. The decision is made by a Selection Committee appointed by the Executive Committee of the CSS. In its award statement, the Selection Committee referenced Martínez-García’s theoretical work on evolutionary, organizational, and ecological collective dynamics.

Martínez-García states his interest in complex ecological systems started because of his love for being outdoors and observing how things happen in nature: “When I learned in high school that it was possible to use physics and mathematics to understand the rules behind these natural phenomena I was passionate about, it became evident that I wanted to explore this interface more deeply.”

He also highlights how interactions with fellow scientists aided to shape his research program over the years: “One of the parts that I enjoy the most about my work is talking to people with different scientific backgrounds and learning how they think about questions and problems that I also find interesting.”

“A fantastic job”

The researcher adds that the award encourages him to continue working hard, a piece of advice he extends to students interested in choosing science as a profession – one that is as exciting as challenging: “It is very rewarding to see that your peers recognize the relevance of your work and consider it worth this recognition. I believe we very often focus too much on rejections and the downsides of pursuing a scientific career, even though it is, in general, a fantastic job.”

Martínez-García obtained his PhD in statistical Physics and Complex Systems at the Institute for Cross-Disciplinary Physics and Complex Systems (IFISC), a joint research center of the Spanish National Research Council (CSIC) and the University of the Balearic Islands (Spain). His thesis combined approaches from physics and computer sciences to investigate different ecological problems, such as animal movement and the emergence of regular vegetation patterns in drylands. He then received a Life Science Research Foundation fellowship to complete a postdoc in ecology and evolutionary biology at Princeton University (USA), where he investigated the interplay between the ecology, evolution and self-organized multicellularity of microbial communities. Before joining CASUS, Martínez-García worked at the ICTP-SAIFR based at the Institute for Theoretical Physics (IFT) of São Paulo State University (UNESP). There he was a FAPESP (São Paulo Research Foundation) Young Investigator and an Assistant Professor in the field of biological physics.

A second Junior Scientific Award went this year to Giulia Menichetti (Harvard Medical School & Brigham and Women’s Hospital, Boston, USA), who researches the full chemical complexity of the human diet and develops quantitative tools to unveil the impact of these chemicals on our health. Finally, the Selection Committee granted the Senior Award, the most prestigious recognition of the CSS, this year to Melanie Mitchell (Santa Fe Institute, USA) referring, among others, to her contributions to adaptive computation, biologically inspired computing and machine learning.

About the Center for Advanced Systems Understanding

CASUS was founded 2019 in Görlitz/Germany and pursues data-intensive interdisciplinary systems research in such diverse disciplines as earth system research, systems biology or materials research. The goal of CASUS is to create digital images of complex systems of unprecedented fidelity to reality with innovative methods from mathematics, theoretical systems research, simulations as well as data and computer science to give answers to urgent societal questions. The founding partners of CASUS are the Helmholtz-Zentrum Dresden-Rossendorf (HZDR), the Helmholtz Centre for Environmental Research in Leipzig (UFZ), the Max Planck Institute of Molecular Cell Biology and Genetics in Dresden (MPI-CBG), the Technical University of Dresden (TUD) and the University of Wrocław (UWr). CASUS, managed as an institute of the HZDR, is funded by the German Federal Ministry of Education and Research (BMBF) and the Saxon State Ministry for Science, Culture and Tourism (SMWK). www.casus.science

About ICTP-SAIFR

The South American Institute for Fundamental Research (ICTP-SAIFR) is an international center created in the city of São Paulo (Brazil) through a collaboration between the International Centre for Theoretical Physics (ICTP) in Trieste (Italy), the Institute for Theoretical Physics (IFT) of São Paulo State University (UNESP), and the São Paulo state funding agency FAPESP. Its activities include research in Theoretical Physics and its applications, as well as training for postgraduate students. ICTP-SAIFR also promotes outreach actions with high school teachers and students and the general public. More information is available at ictp-saifr.org.

About IFT-UNESP

The Institute for Theoretical Physics (IFT) is a graduate physics department of São Paulo State University (UNESP) located in the center of São Paulo. IFT-UNESP was founded in 1951 as a private foundation and incorporated into UNESP in 1987. It has approximately 20 professors and 70 graduate students in physics, and has received the top score from the national funding agency since 2011.

“Alça de bota”: um “truque” da Física para questões muito complexas

Written by Felipe Saldanha on October 5th, 2023. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Técnica do bootstrap, que permite obter resultados a partir de princípios gerais, tem sido explorada por colaboração global de pesquisadores

 

Parte do calçado que deu nome ao conceito remete a processos que se desenvolvem sem influência exterior (Foto: Ivan Bolshakov/Unsplash)

 

Em inglês, há uma expressão que pode ser traduzida como “puxar-se pelas alças das próprias botas”, utilizada para situações difíceis que alguém precisa resolver sozinho sem ajuda externa. Essa expressão levou ao surgimento do termo bootstrap (literalmente “alça de bota”), usado em vários campos do conhecimento para se referir a processos que podem ser desenvolvidos dispensando a influência do exterior.

A filosofia por trás desse conceito também tem sido aplicada em alguns dos mais difíceis problemas que a Física enfrenta na atualidade, relacionados ao chamado acoplamento forte. Esse foi o tema de um workshop promovido pelo ICTP-SAIFR, centro internacional sediado no Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp, em junho e julho deste ano, com convidados e participantes de diversos países.

Nos sistemas fracamente acoplados, como gases ou a luz, as partículas não colidem ou interagem muito entre si e, portanto, estão mais livres. Estudá-los é relativamente simples, pois é possível usar um método conhecido como teoria de perturbações, que permite “quebrar” um problema em problemas menores. Isso porque é fácil separar as partes constituintes desses sistemas, ou seja, os “bloquinhos” dos quais são feitos.

Os sistemas fortemente acoplados, por sua vez, são muito mais difíceis de analisar. Nesses sistemas, muitas partículas interagem entre si ao mesmo tempo. Por causa disso, é como se suas partes constituintes formassem uma sopa, “mas tão misturada que você não consegue sequer separá-las. E nessa situação começa até a se tornar ambíguo o que é feito do quê”, aponta o físico russo Slava Rychkov, professor do Instituto de Estudos Científicos Avançados da França. Em casos assim, a teoria de perturbações não funciona e é preciso adotar outros modelos, como as teorias conformes. É aí que o bootstrap entra, ao oferecer uma nova abordagem para o estudo dessas teorias, baseada em princípios gerais.

Teorias conformes são especialmente úteis para descrever pontos críticos: por exemplo, transições de fase – quando água em estado líquido vira vapor ou quando um imã deixa de ser magnético. Uma das características desse tipo de fenômeno é a invariância de escala. Em outras palavras, não importa se você observa o sistema mais de perto ou mais de longe: ele parece se comportar da mesma forma.

O físico português Pedro Vieira, professor em conjunto do ICTP-SAIFR/IFT-Unesp e do Instituto Perimeter (Canadá), explica que investigações envolvendo teorias conformes são um desafio matemático: “muitas vezes, fazer as contas da forma tradicional é impensável porque são muitas variáveis”, com cálculos que exigem grande poder computacional. “A ideia do bootstrap é tentar chegar direto aos resultados sem passar pelas contas.”

Essa nova forma de pensar, que chega a ser contraintuitiva, coloca o pesquisador no papel de um navegador, analogia usada por Slava Rychkov. O “mar” seria um espaço de parâmetros, ou seja, todos os possíveis valores dentro de um modelo matemático específico. Ao resolver equações, segundo Rychkov, certas regiões surgem dentro desse “mar”, como se fossem ilhas, arquipélagos e continentes. Tais regiões podem conter teorias interessantes, a serem descobertas com o auxílio de técnicas analíticas e numéricas.

Pedro Vieira afirma que essa exploração de teorias, em busca de definir o que é possível e o que é impossível, leva os físicos a encontrar valores que, na sequência, é viável examinar de forma mais convencional: “quando já se sabe o resultado, é mais fácil voltar para os métodos tradicionais e tentar desenvolver novas armas para estudar esses modelos”. Outra forma de verificá-los, quando isso é exequível, é por meio de experimentos em aceleradores de partículas.

Colaboração internacional

Os mais recentes avanços no uso do bootstrap na Física têm sido promissores, estendendo-se para áreas variadas, que vão da teoria das cordas à matéria condensada, passando por holografia, buracos negros e até propostas para além do Modelo Padrão (o mais completo modelo até o momento para descrever a matéria visível). Por esse motivo, a Fundação Simons, uma tradicional financiadora internacional de ciência de ponta, mantém uma colaboração com dezenas de pesquisadores ao redor do mundo dedicados ao tema, incluindo Slava Rychkov e Pedro Vieira, além de pós-doutorandos e estudantes de doutorado.

De acordo com o físico português João Penedones, da Escola Politécnica Federal de Lausana (Suíça) e um dos pesquisadores principais da colaboração, a iniciativa ajudou a criar uma comunidade em torno do conceito, que se mantém ativa participando de reuniões periódicas e, uma vez por ano, se encontrando em uma grande conferência presencial, com duração de três a quatro semanas – a deste ano foi o workshop realizado pelo ICTP-SAIFR. “Dessa forma, nós continuamos colaborando juntos. Algumas pessoas exploram áreas ligeiramente diferentes, mas nós sempre nos reunimos para manter essa motivação e esse ímpeto”, diz Penedones.

Para Rychkov, que é diretor adjunto da colaboração, o financiamento oferecido pela Fundação Simons – aplicado em bolsas e serviços de tecnologia, necessários para rodar os algoritmos responsáveis pelos cálculos das pesquisas – é secundário diante do “efeito de amplificação” proporcionado pelos encontros regulares, que envolvem especialmente físicos em início de carreira: “Acho que isso foi maior do que seria se cada um de nós apenas recebesse esse dinheiro para fazer o que quiser sem questionamentos. Não seria possível fazer toda essa boa ciência que fizemos.”

 

Felipe Saldanha é jornalista de ciência do ICTP-SAIFR com bolsa da Fapesp.

Agradecimento: Francesco Aprile, da Universidade Complutense de Madri (Espanha)

Professora do IFT-Unesp recebe prêmio internacional na área de Ciência das Redes Complexas

Written by Felipe Saldanha on September 5th, 2023. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Hilda Cerdeira foi homenageada em conferência latino-americana

Por Felipe Saldanha

A docente tem desenvolvido pesquisas sobre sistemas dinâmicos não lineares e colaborado com cientistas de países em desenvolvimento (Foto: Divulgação/Universidade Andina de Cusco)

A professora Hilda Alicia Cerdeira, do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp, recebeu um prêmio internacional em reconhecimento ao seu trabalho na área de Ciência das Redes Complexas e Sistemas Não Lineares. O LANET Award 2022 foi concedido à docente no dia 22 de agosto de 2023, durante a terceira edição da Conferência Latino-Americana de Redes Complexas (LANET), realizada em Cusco (Peru).

O diploma entregue à professora enfatiza “suas inestimáveis contribuições à Análise de Sistemas Dinâmicos Não Lineares e Redes por toda a região da América Latina”. Trata-se de um campo que descreve redes complexas e, como explica Hilda Cerdeira, possui inúmeros objetos de estudo, como redes elétricas, a internet, agrupamentos de seres vivos, movimentos de aviões e jogos de futebol. “Uma rede é um conjunto de nós e conexões e estas últimas não são necessariamente uma coisa física, mas podem ser simplesmente uma interação que você pode descrever matematicamente”, afirma.

A premiação também destacou “sua incansável dedicação em promover a educação e o empoderamento de jovens pesquisadores na área”. A docente conta que, já há algumas décadas, tem se dedicado a colaborar com físicos da América Latina, África e Ásia, promovendo aproximações entre eles. A atuação direcionada a cientistas de nações em desenvolvimento, inclusive, já havia garantido a ela o prêmio Espírito de Abdus Salam de 2021, concedido pelo Centro Internacional de Física Teórica (ICTP), na Itália. “Como eu tenho feito durante muito tempo esse tipo de trabalho, parece que tenho tocado muitas pessoas”, reconhece.

Argentina naturalizada brasileira, Hilda Cerdeira é doutora pela Universidade Brown (EUA), fez pós-doutorado na Alemanha e trabalhou na Universidade Estadual de Campinas e no ICTP da Itália, antes de se tornar professora do IFT. Ela integrou o comitê consultivo da revista Physics Today e é revisora de diversos periódicos da área. Também é sócia fundadora de uma startup, na qual aplica na área da saúde o resultado de suas pesquisas sobre redes.

Ao longo dos últimos anos, a docente co-organizou uma série de escolas sobre sistemas dinâmicos não lineares junto ao ICTP-SAIFR, centro internacional sediado no IFT-Unesp, que abordaram aspectos diversos como ótica e nanofotônica, redes complexas e neurociência, análise de séries temporais, complexidade socioeconômica, teoria da informação e aprendizado de máquina, além de uma escola iniciada em agosto sobre caos quântico.

Criada em 2017, a LANET tem o objetivo de proporcionar um fórum estável e periódico para reunir todos os cientistas que de alguma forma estejam relacionados com os estudos em Ciência das Redes na América Latina, estimulando a formação de grupos interessados na área e ajudando a estabelecê-la como uma disciplina nas universidades e instituições de pesquisa latino-americanas.

Felipe Saldanha é jornalista de ciência do ICTP-SAIFR com bolsa Fapesp.

ICTP-SAIFR anuncia ganhadores de prêmio em Gravidade Clássica em 2023

Written by Felipe Saldanha on August 24th, 2023. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Teses agraciadas abordam Princípio Copernicano, teorias alternativas de gravidade e detectores de ondas gravitacionais

Por Felipe Saldanha

David Camarena (no púlpito), autor da tese vencedora, recebeu certificado da premiação durante evento internacional em São Paulo (Foto: Thiago Codinhoto)

 

Foram anunciados os ganhadores da edição de 2023 do ICTP-SAIFR Prize in Classical Gravity and Applications, prêmio que reconhece pesquisas de teses de doutorado destacadas que promovem avanços na área de Gravidade Clássica e suas aplicações em Física de Ondas Gravitacionais, Astrofísica e Cosmologia.

O vencedor é David Camarena, doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Astrofísica, Cosmologia e Gravitação (PPGCosmo) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) em 2022. Atualmente, ele é pesquisador de pós-doutorado na Universidade do Novo México (EUA). Sua tese propõe expandir as fronteiras da Cosmologia moderna para além do Princípio Copernicano, o qual presume que a Terra não ocupa lugar especial no universo. A pesquisa busca testar observacionalmente esse princípio e prever como futuros levantamentos astronômicos poderão detectar possíveis violações a ele.

O prêmio concedeu também menções honrosas. Guilherme Brando de Oliveira, doutor pelo PPGCosmo da Ufes em 2022 e pesquisador de pós-doutorado do Instituto Max Planck de Física Gravitacional (Alemanha), foi um dos agraciados. Em sua pesquisa doutoral, ele investigou teorias alternativas de gravidade para além do Modelo Padrão da Cosmologia, com o uso de ferramentas de matemática linear e não linear. Outro a receber menção honrosa foi Luís Felipe Longo Micchi, doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Física da Universidade Federal do ABC em 2023 e assistente científico na Universidade Friedrich Schiller em Jena (Alemanha). Na tese, ele estuda dois tipos de fontes da terceira geração de detectores diretos de ondas gravitacionais, provenientes de buracos negros e estrelas de nêutrons.

O prêmio incluiu o convite para participar de um programa internacional sobre ondas gravitacionais que acontece neste mês de agosto em São Paulo, durante o qual as pesquisas premiadas foram apresentadas. Para David Camarena, o prêmio e a participação no evento impactaram de maneira abrangente o desenvolvimento de sua carreira e pesquisa. “No curto prazo, ampliou a visibilidade do meu trabalho, permitindo interações com destacados pesquisadores no campo da gravitação e suas aplicações, além de fortalecer as conexões com colaboradores de instituições brasileiras. No longo prazo, acredito que esse reconhecimento aumentará ainda mais o valor da minha pesquisa, abrindo portas para novas oportunidades nesta área”, destaca o pesquisador.

Na mesma linha, Luís Felipe Micchi acredita que a menção honrosa o ajuda a ganhar visibilidade internacional. “No mundo acadêmico, essa visibilidade é extremamente importante, uma vez que as colaborações em investigação são essenciais para a consolidação de uma carreira de sucesso. Em nível pessoal, acredito que esse prêmio ajuda (ex-)estudantes de pós-graduação, como eu, a ganhar autoconfiança no seu trabalho e a lidar com a síndrome do impostor que aflige muitos desses estudantes”, afirma.

Sobre o prêmio

O ICTP-SAIFR Prize in Classical Gravity and Applications recebe nomeações de teses doutorais de qualquer país da América Latina, normalmente feitas pelo orientador do trabalho. Os candidatos precisam ter defendido não mais de 18 meses antes do prazo de indicação. Cada autor pode ser nomeado apenas uma vez, mas os candidatos que não forem aprovados serão reconsiderados no ano seguinte.

Os nomeados são avaliados por um comitê internacional, que neste ano incluiu Vitor Cardoso, da Universidade de Lisboa (Portugal); Rodrigo Fernandez, da Universidade de Alberta (Canadá); Walter Goldberger, da Universidade Yale (EUA); Gabriela Gonzalez, da Universidade do Estado da Louisiana (EUA); e Luis Lehner, do Instituto Perimeter (Canadá).

O vencedor recebe R$ 1.000 e, junto aos agraciados com menção honrosa, certificado e convite para palestrar em um evento anual do ICTP-SAIFR, com todas as despesas pagas. Os vencedores das edições anteriores e mais informações sobre o prêmio estão disponíveis no site ictp-saifr.org/gravityprize. A previsão é que as inscrições para a próxima edição sejam abertas no início de 2024, com prazo para submissão até 30 de abril.

Felipe Saldanha é jornalista de ciência do ICTP-SAIFR com bolsa Fapesp.