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Um matemático no mundo das vacas esféricas
Ganhador da Medalha Fields em 2006, Andrei Okounkov aposta nos aspectos lúdicos para popularizar a matemática e defende a colaboração como valor importante para pesquisa e ensino de ciências
Andrei Okounkov durante sua palestra no ICTP-SAIFR, no campus do IFT, Unesp.
Durante o último Congresso Internacional de Matemática (ICM), que aconteceu em agosto, no Rio de Janeiro, Andrei Okounkov foi informalmente eleito como autor da palestra mais bonita e legal. Doze anos depois de ter recebido a maior distinção de sua área, a medalha Fields, Okounkov enfrentou o desafio de apresentar a plenária da ICM, “Na encruzilhada da geometria enumerativa e da teoria das representações geométricas”, para pesquisadores de diferentes campos da matemática. Além de abstratas, geralmente, as apresentações em eventos do porte da ICM são muito específicas, mesmo para outros matemáticos. Okounkov, no entanto, sabe como cativar a audiência. Oportunamente, ele insere o assunto de forma divertida, usando imagens e anedotas. Ele defende o ensino e popularização da matemática usando a diversão como estratagema. Formado no contexto russo de ensino de ciências, Okounkov chegou à matemática depois de passar pela economia, e não pela via tradicional das olimpíadas científicas. O matemático deixou a Rússia em anos difíceis para pesquisar nos EUA, passou por Princeton, e, atualmente divide seu tempo entre a Universidade Colúmbia, em Nova Iorque, e Moscou. O matemático enfatiza o trabalho árduo, a discussão com os pares e a colaboração como valores mais significativos para o sucesso na pesquisa, e nesse espírito prepara-se para receber a ICM, daqui a quatro anos, em São Petersburgo, capital cultural da Rússia. Durante sua estada no Brasil, Okounkov também participou de conferências satélites da ICM, como o Workshop em Física Matemática, no ICTP-SAIFR, sediado no IFT-UNESP, em São Paulo. Para ele, a matemática oferece a linguagem para descrever as teorias físicas, como a teoria de cordas e gravidade quântica.
Existe um imaginário escolar de que matemática é sinônimo de tormento…
A matemática não é um monstro, mas, de fato, é muito complexa. Acho que uma boa parte da sociedade é curiosa sobre matemática. Para estudantes e público, em geral, é muito importante a maneira como os matemáticos projetam a sua mensagem, o que é verdade não apenas para a matemática, mas para as outras ciências. As questões da ciência e da matemática constituem a essência da nossa vida. A ciência é o centro do que faz a sociedade funcionar. É muito importante despertar o interesse das crianças por esses temas.
Existe algo de diferente no ambiente cultural e intelectual russo quanto ao ensino de ciências e matemática? Como isso influenciou sua aproximação com a pesquisa?
Eu comecei na economia. Mas eu gostava mais de matemática, então mudei de área. Na Rússia, entretanto, há uma grande tradição dos Círculos de Matemática, Química, Física e as Olimpíadas Científicas, que, a meu ver, são uma contribuição para estimular nas crianças o gosto por matemática e ciências. Nesses ambientes, as crianças são desafiadas com problemas, enigmas, experimentos, bem diferente de fazer um dever de casa. Tanto nesses círculos como nas olimpíadas, as crianças estão em contato umas com as outras, com professores. A competição, até certo ponto, pode ser estimulante, mas não deve ser tratada como central. No processo de aprendizagem, recebe-se tanto dos professores quanto dos pares. O mais importante nessas experiências, é o elemento do desafio porque nem todas as pessoas serão capazes de resolver todos os problemas, o que também acontece entre os matemáticos.
Além dessa componente do desafio, como despertar o interesse escolar das crianças pela matemática?
Um bom professor ajuda nesse sentido, mas as crianças tem que ter outros estímulos para continuar aprendendo. No caso da matemática, deveria ser mais divertida, mais como uma descoberta e menos obrigatória. Poderia ser apresentada como a música. Todos podem apreciar uma música tocada no violino, mas não será obrigado a tocar o instrumento. Da mesma maneira, nem todo mundo terá treinamento formal em matemática. Seria traumático se fosse obrigatório tocar violino na escola.
Quando se trata de aproximação com o grande público, como a matemática se compara a outras ciências?
Quando o que se tenta explicar é uma coisa extremamente complexa, surge o problema da falta de precisão. Não é intrinsecamente mais difícil divulgar matemática porque há certos temas, como teoria dos números, que poderiam ser explicados para qualquer um. Além de serem fáceis, são divertidos. Tomemos o exemplo da biologia, que também é uma área extremamente complexa, cheia de nomenclaturas complicadas, que podem demandar anos de aprendizado. Os biólogos fazem um trabalho melhor comunicando a biologia do que os matemáticos. Diria que a situação com a matemática não é muito diferente, mas os matemáticos precisam encontrar um caminho para se comunicar com a sociedade e mostrar que a complexidade da matemática pode ser algo excitante.
Qual o papel da matemática na sociedade?
A sociedade é uma coisa complicada. Mas a relação da matemática e das ciências com a sociedade e com nossas vidas se manifesta nas questões da tecnologia. Os telefones celulares que as pessoas usam cotidianamente têm por trás uma ciência avançada. Alguns abraçam as mudanças tecnológicas enquanto outros se distanciam delas. Estou muito preocupado sobre o futuro da relação tecnologia-sociedade porque, talvez, nem todos serão capazes de participar e trabalhar no mundo tecnológico. Algumas pessoas serão o que se pode comparar a um analfabeto do século passado. É possível ser um membro de valor da sociedade sem saber matemática e ciências, mas, minha preocupação é como isso vai acontecer ou como vai se desdobrar no futuro.
No futuro, os computadores serão melhores matemáticos que os humanos?
Depende da definição de matemática adotada. Se for uma lista de procedimentos a serem memorizados, os computadores serão melhores em qualquer coisa que possa ser formalizada. Nós temos que abraçar essas mudanças. Não podemos lamentar o fato de que os carros são mais rápidos do que os humanos porque, afinal, a utilidade dos carros reside exatamente em serem mais rápidos. Há muitos fenômenos complexos na natureza que não podem ser desvendados sem a ajuda dos computadores, eles podem representar um número de cenários muito grande em muito menos tempo que nós. É difícil dizer algo sobre a equação de Einstein sem a ajuda dos computadores. Mas lembro que a matemática não é apenas uma lista de processos a serem memorizados.
O que distingue os humanos no fazer da matemática?
Criatividade. Talvez criatividade não seja a melhor palavra, mas, sim, descoberta. O processo de descoberta na matemática é algo surpreendente. Os matemáticos não ficam sentados em seus escritórios tirando ideias brilhantes do nada. Eles têm de pensar em múltiplos exemplos, desenvolver a intuição e trabalhar em uma conjectura geral.
Pode-se dizer que há uma habilidade especial para ir bem em matemática?
O treinamento define mais como se vai em matemática do que qualquer habilidade especial. Acho que não há uma tarefa específica que permita um bom desempenho em matemática. O que se precisa da memorização, por exemplo, é fazer uma ou outra multiplicação, mas uma calculadora faz isso melhor. A matemática tem muitos sabores, o cálculo diferencial e integral é apenas um. Em geral, é melhor começar com um panorama, mas algumas pessoas pensam mais geometricamente, enquanto outras mais algebricamente. O que frequentemente acontece é que elas passam primeiro pelo treinamento básico e, se quiserem aprender um sabor totalmente diferente, tem que desenvolver uma maneira de juntar os sabores, correlacionar ideias adquiridas previamente.
Sobre o que é a matemática?
A matemática é uma ótima forma de organizar ideias, procurar um princípio ordenador por trás de um determinado problema, ou de muitos problemas de determinado tipo. Ao invés de focar em características particulares e detalhes, a matemática busca princípios gerais. Talvez, outra maneira de entender isso seria dizer que em matemática não se pensa em um problema de forma muito concreta. Um dos meus professores diz que a chave para resolver qualquer problema em matemática é remover toda a informação desnecessária.
Há muitas anedotas sobre a forma não-realista como matemáticos e físicos interpretam a realidade para investigá-la…
As semelhanças no modo de matemáticos e físicos encararem a realidade relacionam-se ao fato de que a realidade não reside em seus aspectos peculiares, é preciso remover e descartar características para investigá-la. Há muitos níveis nos quais se pode dizer algo verdadeiro sobre uma determinada coisa, por exemplo, sobre o volume de uma vaca. Considerar o nome de uma determinada vaca adiciona complicações à investigação sobre seu volume porque, então, leva à perguntas particulares sobre todas as outras vacas. Tanto os matemáticos como os físicos buscam os aspectos mais gerais possíveis para descrever uma vaca e daí surgem as anedotas.
Matemática é ciência?
Sem dúvida. E é arte. Mas ciência também é arte. Matemática não é como um laboratório de química, onde coisas são misturadas, previsões feitas e se espera pra ver o resultado. Matemática é relacionada a curiosidade humana, ao desejo de sistematizar o mundo e trazer uma noção geral sobre como ele é construído, como se desenvolve. Mas ainda sobra lugar para a poesia e a beleza.
E quanto a interação da matemática com a biologia?
Ao interagir com pessoas de fora da matemática, elas, frequentemente, perguntam sobre a solução de uma equação específica ou como resolver determinado problema tendo em vista propriedades particulares. Mas é muito mais fácil pensar nas propriedades mais gerais dos problemas porque isso força o pensamento para termos mais fundamentais. É importante pensar nos tipos e lugares específicos, como na biologia, o tal inseto que voa em torno da tal flor. Os detalhes são muito bonitos, mas não são essenciais para resolver equações. Em matemática, procuramos o tipo certo de generalidade, o que implica descartar insetos e flores.
Qual a contribuição mais importante da matemática para o pensamento humano?
Diria que é a noção de que o livro da natureza está escrito em símbolos matemáticos, como na conhecida citação de Galileu Galilei. Não há dúvidas sobre isso. A noção intrínseca da ciência moderna é que ela requer uma matemática complicada e, talvez, isso seja devastador para um indivíduo, mas nem tanto quando se considera a comunidade científica e o poder computacional.
Sua plenária na ICM foi elogiada por ser visualmente bonita. Em algumas passagens de uma palestra sua sobre monodromia, um tema desconhecido mesmo de matemáticos, você arranca risadas da audiência.
Monodromia é o estudo do comportamento de funções definidas em torno de singularidades. Escadas em espiral são uma boa forma de ilustrar a situação. No alto de uma escada, tem-se uma função, no andar inferior, tem-se outra função diferente. Um colega meu tem uma maneira muito engraçada de explicar a monodromia, que eu tomo emprestada: “Você sente que está andando em círculos e não chega a lugar algum? As coisas não devem ser tão ruins quanto parecem. Você deve estar chegando a algum lugar, mas não percebe isso por não estar ciente de sua monodromia pessoal”. Talvez, devêssemos pensar mais em nossa monodromia pessoal para entender o problema em matemática.
Você deixou a Rússia para ir para os EUA, mas agora passa parte do ano lá.
Houve tempos difíceis na Rússia em que foi difícil conciliar a vida pessoal e o trabalho como matemático. Mas agora há bons lugares para estudar na Rússia, eu passo cada vez mais tempo lá. Meu ano se divide entre Colúmbia e Rússia. Inclusive, a próxima “Copa do Mundo da Matemática” será na Rússia e estamos nos preparando para, além de oferecer uma ótima visita a todos os participantes, discutir a divulgação de matemática para o público leigo.
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O que sabemos que não sabemos?
Segundo o físico brasileiro André Luiz de Gouvêa, os misteriosos neutrinos podem ser a chave para resolver o problema da quantidade de matéria no universo
Há uma diferença gritante entre a quantidade de massa total observada no Universo e o que é previsto pelos modelos teóricos. Medidas da radiação cósmica de fundo – um tipo de fóssil do Big Bang – indicam que há cinco vezes mais matéria que não interage com fótons do que de matéria que interage com fótons, levando os físicos a cogitarem a existência de uma matéria, que não interage com a luz; a matéria escura. Muitas teorias e experimentos em física estão sendo projetados para solucionar essa questão da cosmologia. Formado em física pela PUC-Rio, o carioca André Luiz de Gouvêa dedica-se a esse tipo de dilema. Ele teve passagens pelo Fermilab, Lafex, CERN (Suíça) e, atualmente, é professor da Universidade Northwestern, nos EUA, e membro do conselho científico do ICTP-SAIFR, desde o início de 2018. Recentemente, Gouvêa analisou a sensibilidade de grandes experimentos da física de partículas, o DUNE e o Hyper-Kamiokande, com o objetivo de detectar interações específicas de neutrinos e antineutrinos. Entre os dias 23 de julho e 3 de agosto, o pesquisador esteve em São Paulo participando da Escola de detecção de neutrinos e matéria escura, do ICTP-SAIFR|IFT-UNESP. Ele falou sobre “o que sabemos que não sabemos”, na fronteira da física de partículas e neutrinos, e ofereceu perspectivas sobre a tão esperada detecção da matéria escura.
Como foi sua trajetória entre a graduação em física e o interesse por física de partículas?
Comecei a me interessar pela parte experimental de física de partículas. As vantagens de ser experimental é que você pode contribuir mais como aluno de graduação e mestrado. Quando fui pra fora do Brasil, para o doutorado, é que comecei a trabalhar com fenomenologia, modelos super simétricos e outros temas populares. Naquela época, surgiam modelos novos de neutrinos e, então, trabalhar com teoria era interessante porque tentávamos antecipar o que as próximas experiências poderiam medir.
Os físicos pensam as partículas como objetos clássicos, como pontos e bolinhas, ou como ondas?
Em física, usamos uma linguagem matemática para descrever as partículas. E, mesmo para nós, em várias situações, as partículas lembram objetos clássicos como pontos. Toda vez que elas se manifestam de forma mais palpável nos detectores, a impressão é de que cada partícula é um ponto. Mas a matemática que se usa para traçar o caminho das partículas é ondulatória.
E os neutrinos, o que são?
Os neutrinos (e também os fótons) são as partículas mais abundantes do Universo. Há 1 bilhão de vezes mais fótons e neutrinos que prótons e elétrons! Somos bombardeados com neutrinos a uma taxa de 100 bilhões por segundo. Eles não têm carga elétrica, como os elétrons, e interagem muito pouco.
Como é então possível detectá-los?
Os neutrinos têm uma outra propriedade – associada a maneira como reagem à força nuclear Fraca – que chamamos de “sabor”. Hoje sabemos que, de acordo com os sabores, podemos classificar os neutrinos em três tipos: o neutrino-múon, neutrino-tau e neutrino-elétron. Mas chegar até isso foi um longo e árduo caminho. Na década de 60, por exemplo, as primeiras medidas do fluxo de neutrinos produzidos no Sol, não batiam com as previsões teóricas. Esse assunto só foi resolvido na virada do século quando ficou estabelecido que o neutrino pode mudar de sabor enquanto se propaga. Estes resultados responderam perguntas fundamentais que tínhamos sobre os neutrinos – “Eles têm massa?”; “Eles oscilam de um sabor para o outro?” e convidam outras perguntas mais fundamentais – “Por que eles têm massa?”; “Como eles oscilam de um sabor para o outro?”.
Quais foram os experimentos que confirmaram as propriedades dos neutrinos?
Dentre esses experimentos, estão o KamLAND e o Super-Kamiokande, ambos no Japão, e o SNO [Sudbury Neutrino Observatory], no Canadá. Com dados do SNO e do KamLAND, conseguimos explicar a questão dos neutrinos do Sol. Os primeiros resultados do Super-Kamiokande, anunciado em 1998, revelaram que os neutrinos produzidos na atmosfera também podem alterar suas identidades, oscilando entre os sabores. Essas descobertas renderam o prêmio Nobel de física de 2015 às colaborações Super-Kamiokande e SNO. A comprovação foi decisiva para a física de neutrinos porque a consequência da oscilação entre os sabores é que eles têm massa.
O que diferencia partículas que têm massa de partículas sem massa?
Se recorrermos à relatividade restrita – que trata de partículas que se movem próximas da velocidade da luz -, fica mais fácil entender essa diferença. Do ponto de vista das partículas sem massa, como as partículas da luz – os fótons -, qualquer distância no Universo é infinitamente pequena, o que equivale dizer que elas chegam simultaneamente a qualquer lugar. Uma partícula com massa, como o neutrino-elétron, sabe distinguir tempos curtos de tempos longos, “ele enxerga as distâncias”.
Quando se detecta um neutrino, é possível dizer para qual dos sabores se está olhando?
Na prática, toda vez que se detecta um neutrino, não se consegue determinar qual sua massa, só é possível medir o seu sabor. Por exemplo, um neutrino-elétron produzido em São Paulo seria detectado em Salvador já com outro sabor. Os neutrinos mudam de sabor ao longo do tempo com uma probabilidade que pode ser calculada.
Como é o mecanismo que leva os neutrinos a mudar de sabor?
Temos que olhar para cada um dos sabores das partículas e associar a eles uma onda. Essa onda é uma mistura de três ondas distintas, associadas aos neutrinos com massa. O fenômeno pode ser então entendido como interferência de ondas.
Qual o papel da massa no mecanismo de oscilação dos neutrinos?
Agora que sabemos que os neutrinos têm massa, podemos classificá-los de acordo com o valor da massa. Digamos, um neutrino com massa 1, outro com massa 2, e um terceiro com massa 3. Mas não é possível associar massas e sabores de maneira clássica. O neutrino-elétron, por exemplo, não é uma partícula, mas uma mistura quântica de partículas com massas bem definidas e isso vale para os outros sabores. Cada uma das componentes com massa bem definida tem uma velocidade ligeiramente diferente, mas frequências bem próximas. O que faz o neutrino oscilar é que, durante o tempo em que ele viaja de um lugar a outro, as ondas correspondentes a eles se propagam de forma distinta, e a combinação delas – o que define o sabor – muda com o tempo.
As antipartículas dos neutrinos, os antineutrinos, oscilam da mesma forma?
Podemos entender essa pergunta da seguinte maneira: se a probabilidade de um neutrino de sabor A ser medido como um neutrino de sabor B (diferente de A) é igual a probabilidade de um anti-neutrino de sabor A ser medido como um antineutrino de sabor B. Os físicos se referem a esse fenômeno como a violação da simetria CP entre os neutrinos. Hoje, nós não sabemos a resposta apesar de haver fraca evidência que a simetria CP é violada entre os neutrinos.
Quais as contribuições esperadas dos experimentos DUNE e Hyper Kamiokande nessas questões?
Um dos objetivos principais dos projetos DUNE e Hyper-Kamiokande é descobrir de forma clara se os neutrinos respeitam a simetria CP. O que eles querem estabelecer é se a probabilidade de um neutrino de sabor A ser medido como um neutrino de sabor B (diferente de A) é igual a probabilidade de um antineutrino de sabor A ser medido como um antineutrino de sabor B. Na prática “sabor A” é o sabor muônico (relacionado ao muon), “sabor B” é o sabor eletrônico (relacionado ao elétron).
Os neutrinos são candidatos a matéria escura?
Sim. Mas, apesar de serem muito abundantes, os neutrinos têm uma massa pequena demais. Há muitos candidatos, no entanto. Uma das hipótese mais estudada é que a matéria escura seja formada por partículas que chamamos de WIMPS – Weakly Interacting Massive Particles -, que interagem fracamente.
A matéria escura obedece a quais princípios da física?
A matéria escura interage gravitacionalmente. Quer dizer, as leis da gravidade de Newton e Einstein também se aplicam à ela. Ela está se expandindo junto com o resto do Universo e também obedece ao princípio do aumento da entropia total do Universo, a Segunda Lei da Termodinâmica. No entanto, todas as outras informações que temos sobre ela, a distinguem da matéria bariônica – composta por bárions, partículas como prótons e elétrons, e que interagem com a luz.
Como seria possível medir a matéria escura?
Partículas como os WIMPS interagem fracamente com núcleos de átomos de detectores. Uma maneira seria construir detectores super-precisos e observar a passagem de uma partícula de matéria escura, causando uma leve movimentação nos núcleos dos átomos dos detectores, na Terra. Observar se os detectores se mexem “sozinhos”.
E o neutrino estéril?
Ele é um novo tipo de partícula que está sendo cogitada. Apesar de interagirem muito pouco, são capazes de “conversar” com os outros neutrinos do modelo padrão. Se forem parte da matéria escura, eles decaem, bem devagar, em um neutrino e um fóton. Para detectá-los teria de se observar a emissão de raios-X de regiões do céu onde se supõe haver muitos neutrinos estéreis, como as galáxias anãs, usando um satélite, um balão ou um foguete.
Quais são as expectativas da comunidade para detectar a matéria escura?
Agora, a campanha experimental é grande, mas, se daqui há dez anos não encontrarem nada, é bom procurar outra resposta e algumas ideias teóricas serão revisitadas.
Há outras propostas além dela?
Matéria e energia escura são uma forma de parametrizar a nossa ignorância. É possível que haja algo bem simples e que ainda não sabemos. Um outro caminho seria modificar a própria teoria da gravidade.
Qual das das alternativas é mais simples?
Sem dúvida, os modelos de matéria escura geram menos complicação. O motivo disso, talvez, seja o conservadorismo dos físicos. Mas existem problemas quanto a mudar a gravidade. As coisas funcionam muito bem no sistema solar com a teoria gravitacional que temos hoje. A gravidade teria que ser modificada a nível da galáxia, aglomerados de galáxias, o efeito dessa gravidade nova será gigante. Colisão entre dois aglomerados de galáxia, nuvens de gás interestelar, o gás interage bastante, emite raios-X, o que acontece com a massa de galáxia? Depois da colisão as massas se afastam, mas o gás ficou para trás, mudando a lei da gravidade. A lei da gravidade não explica porque a massa está em um lugar e a gravidade está em outro.
E quanto a modificar os modelos físicos atuais?
Nós temos teorias que funcionam bem, e quando há resultados que não sabemos explicar, acrescentamos ingredientes novos. Por outro lado, a linguagem que usamos para descrever talvez tenha um erro fatal. É possível que, usando essa linguagem, seja impossível descrever o que estamos observando. Mudar a linguagem que a gente usa é muito difícil. O modelo atual é muito sofisticado e bem sucedido. Uma ideia nova com uma linguagem nova teria que ser igual ou melhor para se explicar tudo o que a gente já consegue explicar e mais o que não consegue.
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Estranhezas no mundo do muito pequeno
Pesquisador visitante do ICTP-SAIFR foi destaque da Sociedade Brasileira de Física pela pesquisa sobre estranhezas quânticas e cenários de inferência causal simples
No centro da foto Mário Leandro Aolita, no ICTP-SAIFR, que fica no campus da Barra Funda, do IFT-Unesp, durante o minicurso “Emaranhamento quântico: da informação quântica para além da física de muitos corpos”, que aconteceu entre 20 e 24 de agosto.
Um furacão ocorre depois de uma pequena perturbação na atmosfera terrestre; as pessoas adoecem porque são expostas a germes. A noção intuitiva de que os fenômenos decorrem de uma causa é importante em pesquisas científicas nas áreas de meteorologia e epidemiologia, por exemplo. Mas os contra intuitivos efeitos quânticos podem violar a ordem de inferência causal. Uma colaboração entre físicos italianos da Universidade de Sapienza Roma, o brasileiro Rafael Chaves do Instituto Internacional de Física, em Natal, no Rio Grande do Norte, e o visitante do ICTP-SAIFR, Mário Leandro Aolita, sediado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, demonstrou experimentalmente que, em um sistema formado por um par de fótons – partículas de luz -, ocorre uma transgressão dos chamados testes experimentais. Usados tipicamente na área de epidemiologia, esses testes estão relacionados à noção clássica de causalidade.
Os pesquisadores investigaram um modelo causal quântico em que o estado de dois fótons emaranhados – forma de correlação muito forte, possível só em sistemas quânticos – é a causa comum de outros dois eventos A e B. Nessa situação, as correlações induzidas entre esses eventos A e B são tão fortes que, mesmo se fossem simuladas com modelos causais clássicos, ou seja, sem emaranhamento, eles precisariam estar equipados com influências causais diretas de A para B (além de possíveis causas comuns clássicas).
O resultado, publicado pela revista científica Nature Physics, em dezembro de 2017, mostra que o emaranhamento quântico é, de certa forma, mais forte até do que influências causais diretas clássicas, abrindo perspectivas para uma abordagem mais simples do fenômeno quântico até então conhecido como “comunicação à distância” entre partículas. Repercussões do trabalho vão incorporar o desenvolvimento de novas tecnologias para a criptografia e informação quântica.
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Escola de modelos integráveis ICTP-SAIFR
Entre os dias 2 e 14 de julho, o ICTP-SAIFR e o IFT-UNESP, em São Paulo, sediaram uma Escola de Modelos Integráveis voltada para especialistas de várias áreas da física.
A Escola de Modelos Integráveis aconteceu no campus do IFT-UNESP, na Barra Funda, com um programa que integrou e atualizou jovens pesquisadores e especialistas das áreas de mecânica estatística, matemática, matéria condensada, teorias de calibre e teoria de cordas sobre a ferramenta da integrabilidade – usada para resolver exatamente sistemas como, por exemplo, cadeias de spin – mecânica estatística -; modelos de vértice – que se expandiram do contexto da física nuclear para a teoria de cordas -; e ads/cft, correspondência entre teorias definidas em espaços anti-deSitter e de campos conformes.
O evento foi o terceiro de uma série de escolas coordenadas na área de Modelos Integráveis. A primeira foi realizada pelo NORDITA, Nordic Institute for Theoretical Physics, na Suécia, entre 14 de maio e 8 de junho, e a segunda aconteceu no IIP, International Institute of Physics, em Natal, Brasil, de 18 a 29 de junho. Pesquisadores sediados na Suécia, EUA e Brasil – Konstantin Zarembo (NORDITA, Suécia), Shota Komatsu (Princeton, EUA) e Valdimir Korepin (State University of New York, EUA) e Márcio Martins (UFSCar, Brasil) – apresentaram as novidades da áea de modelos integráveis para osparticipantes. Além de assitir aos cursos,os participantes também apresentaram seus trabalhos, na segunda semana do evento. O comitê organizador foi fomado por pesquisadores sediados nos EUA, Vladimir Korepin (State University of New York at Stony Brook), na França, Didina Serban (IPhT-Saclay) e no Brasil, Giuliano Ribeiro (UFSCar) e Pedro Vieira (ICTP-SAIFR/IFT-UNESP & Perimeter Institute, Canadá).
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Escola de física de partículas ICTP Trieste-SAIFR
O evento aconteceu entre os dias 18 e 29 de junho, no ICTP-SAIFR, no Instituto de Física Teórica da Unesp, em São Paulo, e trouxe os mais recentes resultados e técnicas de física de partículas para os alunos sul-americanos.
O início do século 21 têm movimentado a área de física de partículas, área que pretende descrever interações e decifrar a natureza dos constituintes fundamentais da matéria e da radiação. Em 2012, o Bóson de Higgs – teorizado por Peter Higgs, em 1964 – foi confirmado experimentalmente pelo LHC, o Grande Colisor de Hádrons do CERN, localizado em Genebra, Suíça. Cinco anos depois, as ondas gravitacionais – previstas em 1916 por Albert Einstein – foram detectadas pelas colaborações científicas LIGO, nos EUA, e VIRGO, sediada na Itália. Eventos de grande importância como esses deram um novo fôlego para o Modelo Padrão – teoria mais aceita sobre partículas e forças que compõem o Universo – e para a Relatividade Geral – teoria que descreve a gravidade como uma propriedade geométrica do tecido do espaço-tempo.
Apesar do entusiasmo da comunidade com os novos achados, fantasmas assombram a completa aceitação do Modelo Padrão, dentre eles, a necessidade de confirmações experimentais para matéria e energia escura – propostas para fechar a conta da quantidade total de matéria no Universo -, e para um gama enorme de partículas. Esse dinâmico período na física desperta novas possibilidades e aumenta as expectativas dos cientistas sobre o que está por vir no LHC.
“O interesse do público em geral e dos estudantes universitários para o futuro da física de partículas e do LHC foi o que motivou a união com o ICTP-Trieste para organizar uma escola”, conta o pesquisador Enrico Bertuzzo, da USP, um dos organizadores da Primeira Escola Conjunta ICTP Trieste-SAIFR de física de partículas. Além de Bertuzzo, o comitê de organização foi composto pelos pesquisadores Eduardo Pontón, do ICTP-SAIFR, Andrea Romanino e Giovanni Villadoro, ambos do ICTP-Trieste, na Itália.
A parceria, segundo Bertuzzo, levou em conta a longa experiência do ICTP-Trieste na realização de escolas de física de partículas. O ICTP-SAIFR já tinha recebido outras duas escolas voltadas para a física do LHC, em 2013 e 2015, mas a parceria com o ICTP-Trieste foi o primeiro passo para iniciar uma nova tradição. “Como os cursos universitários não cobrem os atuais resultados da física de partículas, a intenção é fornecer aos participantes da escola uma visão mais global e moderna”, complementa. Cerca de oitenta estudantes de pós-graduação, de quatorze nacionalidades (Venezuela, Peru, Chile, Colômbia, Argentina, Uruguai, Costa Rica, Cuba, México, França, Índia, Paquistão, Irã e Brasil) – a maior parte sediados em universidades brasileiras -, receberam para os cursos e palestras pesquisadores dos Estados Unidos, Itália, Alemanha, Reino Unido, Espanha e Brasil.
As palestras e cursos trataram sobre o Modelo Padrão, teorias fortemente interagentes em colisores, Universo Primordial, matéria escura, e tópicos em física experimental e teórica. “A escola foi mais teórica, com implicações na física de colisores, como o CERN”, avalia Bertuzzo. O palestrante Alex Pomarol, da Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha, discutiu a física além do Modelo Padrão. Outro ponto alto da escola, segundo Bertuzzo, foram a abordagem fortemente matemática da cosmologia sobre o Universo Primordial e as discussões filosóficas introduzidas pela pesquisadora Laura Covi, do Instituto de Física Teórica de Göttingen, Alemanha. Covi abordou questões como “Cosmologia é ciência?”; “Qual a reprodutibilidade dos experimentos em cosmologia?”; “É possível comparar modelos com dados experimentais?”.
A programação da escola entusiasmou os participantes. “Gostei da abordagem sobre as possibilidades experimentais em física de partículas”, menciona a estudante Milena Leal, da Universidade Pedagógica e Tecnológica da Colômbia. Já Felipe Fontineli, estudante do Instituto de Física da Universidade Nacional de Brasília, foi atraído pela apresentação de teorias além do Modelo Padrão, “A escola representou também uma oportunidade de entrar em contato com outros pesquisadores”, arremata.
“A largo prazo, nosso objetivo, é irradiar o conhecimento produzido durante a escola para outros centros. Questões financeiras dificultam viagens de estudantes até a Europa, então, temos que aproximar as possibilidades de investigação à realidade das pessoas”, enfatiza Bertuzzo. Apesar de os grandes colisores não existirem na América do Sul, há várias possibilidades de inserção internacional de pesquisadores. O Brasil, através de centros no Rio de Janeiro e em São Paulo, mantém colaborações com o LHC. Novas parcerias entusiasmam a comunidade, como os experimentos DUNE (sigla em inglês para Deep Underground Neutrino Experiment), com dois detectores que serão instalados nos EUA, e a colaboração internacional Dark Side, sediada no Laboratório Nacional do Gran Sasso, na Itália.
Durante a escola os participantes apresentaram trabalhos e resolveram problemas.
A motivação fundamental para pesquisar na área de física de partículas, segundo Bertuzzo, é obter uma explicação para a realidade e o funcionamento do Universo. “Essa é uma das físicas mais fundamentais, junto à cosmologia. Não é muito diferente de olhar para o céu, só que, ao invés de fazer astronomia com a luz, fazemos com partículas, os constituintes fundamentais do Universo. Abusamos da curiosidade para explorar aquilo que vemos”, revela.
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