Brasileiras desenvolvem software capaz de prever crises de epilepsia

Written by Ricardo Aguiar on January 20th, 2016. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Hilda Cerdeira, do IFT/Unesp, e sua filha, a engenheira Paula Gomez, venceram prêmios de inovação científica por ideia que promete facilitar o dia a dia de pacientes de epilepsia

 

Uma das grandes dificuldades para pacientes de epilepsia é lidar com a imprevisibilidade das crises. Elas podem acontecer a qualquer momento e quando menos se espera – não importa o local, o horário ou quantas pessoas há ao redor. Além da preocupação com possíveis acidentes, os pacientes, em ocasiões sociais, ainda podem sofrer com o estigma e com o preconceito de pessoas que não entendem a doença.

“Ainda não há no mercado nenhum aparelho que consegue prever crises”, diz Cerdeira. “Antecipá-las poderá ajudar, por exemplo, na prevenção de acidentes, pois dará ao paciente a oportunidade de sair de uma situação de risco”.

Esquema de como funcionará o dispositivo capaz de prever crises de epilepsia. Dois pequenos sensores na cabeça analisam constantemente as ondas cerebrais, monitorando a saúde do paciente e enviando os dados para dispositivos sem fio.

Esquema de funcionamento do dispositivo capaz de prever crises de epilepsia: dois pequenos sensores analisam constantemente as ondas cerebrais, monitorando a saúde do paciente e enviando os dados para dispositivos sem fio

Felizmente, esse cenário pode mudar em breve graças a uma inovação brasileira. A física Hilda Cerdeira, professora voluntária da Unesp e pesquisadora aposentada do ICTP, e sua filha, a engenheira Paula Gomez, estão desenvolvendo um dispositivo capaz de informar o paciente, com minutos de antecedência, que uma crise irá ocorrer.

O projeto venceu, em novembro de 2015, o prêmio Empreenda Saúde, do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, e da Fundação Everis, e chegou a ser finalista do prêmio internacional da Epilepsy Foundation, dos Estados Unidos.

A epilepsia é uma das doenças neurológicas mais comuns em todo o mundo. Segundo dados da Organização Pan-americana de Saúde, 70 milhões de pessoas sofrem de epilepsia no mundo, das quais 6 milhões só nas Américas. De acordo com levantamento do Ministério da Saúde, o Brasil possui cerca de 228 mil casos a cada 100 mil habitantes.

“A possibilidade de detectar crises antes de acontecerem pode abrir novas perspectivas na busca de intervenções para bloquear seu aparecimento”, sugeriu Li Li Min, embaixador da epilepsia no Brasil e pesquisador do Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia (BRAINN).

 

APARELHO DISCRETO, ACOMPANHAMENTO CONSTANTE

A ideia do dispositivo de Cerdeira e Gomez é monitorar os sinais cerebrais de maneira contínua, acompanhando “de fora” a comunicação entre neurônios cerebrais. Isso será feito através de dois eletrodos, posicionados de maneira discreta e não invasiva na cabeça do paciente.

Os sinais serão enviados para um pequeno processador, que lembrará um aparelho auditivo, capaz de analisar os padrões cerebrais.

Quando o padrão que precede uma crise epiléptica for detectado, um alerta será enviado para o celular do paciente.

Incidência de epilepsia no mundo. Quanto mais carregada a cor, maior a porcentagem da população que convive com a doença neurológica. As taxas chegam a ser 2x maiores em países do terceiro mundo. Fonte: Universidade de Oxford.

Incidência de epilepsia no mundo: quanto mais carregada a cor, maior a porcentagem da população que convive com a doença – as taxas chegam a ser duas vezes maiores em países do terceiro mundo (Fonte: Universidade de Oxford)

“A imprevisibilidade das crises é um dos aspectos que mais afligem as pessoas com epilepsia”, diz Li. “A possibilidade de saber quando uma crise está para acontecer permitirá a elas se prepararem e se protegerem”.

Para ajudar ainda mais quem tem epilepsia, o aplicativo conta com a opção de avisar automaticamente parentes e amigos de que a crise está vindo.

“Essa função pode ser útil para alertar pais de que uma criança terá uma crise em breve, por exemplo”, explica Gomez.

 

UNIÃO ENTRE FÍSICA E MEDICINA

Física e medicina podem parecer áreas bastante distantes, mas na verdade são mais próximas do que se imagina. A experiência de Cerdeira com sistemas caóticos, por exemplo, foi decisiva para a idealização e o desenvolvimento do projeto médico.

“Soube do problema quando dei uma palestra em um hospital, há cinco anos, sobre sincronização”, conta ela. “Como a epilepsia é uma condição relacionada à sincronização de neurônios, me interessei por ela e comecei a estudá-la”.

Cerdeira sabia que os padrões de crises de epilepsia podiam ser observados em exames de eletroencefalografia (EEG). Entretanto, devido à complexidade dos sinais neuronais, pesquisas médicas não conseguiam prever crises com acuidade. Cerdeira, então, se perguntou se, analisando exames de EEG, seria possível achar um padrão nesses sinais que precedesse as crises.

Hilda (direita) e Paula comemoram prêmio de inovação empreendedora na área da saúde.

Paula (esquerda) e Hilda (direita) comemoram o Prêmio Empreenda Saúde

A pesquisadora discutiu o problema com a filha, Gomez, e elas começaram a trabalhar no projeto. Através de simulações realizadas em computador, Cerdeira e Gomez conseguiram identificar sinais característicos de um surto, que sempre apareciam antes que eles acontecessem. Para tanto, os conhecimentos em sistema caóticos foram fundamentais.

 A partir desta descoberta, mãe e filha desenvolveram um software capaz de detectar tais padrões cerebrais e prever as crises epilépticas.

 

PREVISÃO DE LANÇAMENTO PARA 2018

As pesquisadoras contam que o software já está pronto e foi testado com dados disponibilizados na internet de 50 pacientes e cerca de 200 surtos de epilepsias focais e generalizadas.

A previsão de crises funcionou em 90% dos casos e antecipou os surtos, em média, em 25 minutos – tempo que permitiria aos pacientes adotar medidas de segurança necessárias na maioria dos casos.

“Esperamos ter o hardware pronto no segundo semestre desse ano e iniciar a fase de testes clínicos”, fala Gomez. “A previsão é que o aparelho fique pronto em 2018”.

As pesquisadoras pretendem também criar uma interface na internet para o software desenvolvido por elas. Dessa maneira, cientistas do mundo inteiro poderão mandar dados de exames para serem analisados.

“O próximo passo será conseguir um volume maior de dados e testar o dispositivo com outros tipos de epilepsia”, diz Cerdeira.

Hilda Cerdeira é, atualmente, professora voluntária do IFT/Unesp. Fellow da American Physical Society e da World Innovation Foundation, trabalhou entre 1986 e 2004 no Abdus Salam International Centre for Theoretical Physics (ICTP), em Triste, Itália, onde se aposentou. Hoje também ajuda a organizar eventos no ICTP-SAIFR, como o Workshop em Sistemas Complexos, em 2014, e a Escola em Redes Complexas e Aplicações em Neurociência, em 2015.

Quem quiser saber mais sobre o projeto pode acessar o site da Epistemic, empresa fundada por Cerdeira e Gomez para o desenvolvimento do dispositivo.