Na fronteira entre biologia, física, América Latina e o mundo
Ministrada no Instituto de Física Teórica, escola internacional aproximou diferentes áreas de conhecimento sobre questões em comum.
O ICTP-SAIFR, localizado no Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp, em parceria com o Nordic Institute for Theoretical Physiscs (NORDITA), da Suécia, organizou, entre os dias 13 e 24 de março, a School on Biological Soft Matter, com o tema “From molecular interactions to engineered materials”. As aulas versaram sobre a matéria mole (soft matter, em inglês), um termo utilizado na física e na biofísica para se referir a sistemas físicos de interação de compostos facilmente deformados por variações térmicas, como líquidos, polímeros e diversos materiais biológicos, como as estruturas e propriedades físicas encontradas dentro de células vivas.
A escola teve como objetivo trazer aos alunos inscritos conceitos básicos em biologia celular e molecular, bem como a física envolvida nessas estruturas para que os alunos aprendessem como aplicá-los às questões que estão investigando em suas pesquisas. Dividida em dois blocos, a escola focou, na primeira semana, em conceitos chave de biologia e física, enquanto a segunda semana foi mais voltada para temas de bioengenharia, aliando, nas palestras ministradas, conceitos básicos com pesquisas atualmente desenvolvidas na área de soft matter. Segundo Samuela Pasquali, da Université Sorbonne Paris Cité, uma das organizadoras da escola, “a ideia é dar aos alunos uma perspectiva ampla do que está acontecendo hoje em dia na área e fornecer ferramentas necessárias para investigações futuras”.
Voltada para alunos de graduação e pós-graduação, bem como pesquisadores das áreas de mecânica estatística, ciência dos materiais, biofísica e nanotecnologia, a escola atraiu alunos majoritariamente da América Latina, mas também de outros países, incluindo Itáila, Canadá e Índia. Além de comparecer às aulas, os alunos também foram convidados a fazer apresentações orais ou de pôsteres sobre seus próprios projetos de pesquisa.
Essa diversidade de áreas de formação e nacionalidades foi um dos pontos fortes da escola, como salientou Fernando Luís Barroso da Silva, da USP-Ribeirão Preto, também organizador: “Um dos lados positivos dessa escola é que os alunos começam a aprender novas ferramentas, conceitos, e fazer cooperações que podem ser proveitosas para a pesquisa que estão desenvolvendo ou para trabalhos futuros, podendo aplicar o que aprendem aqui sobre um determinado tema em outros projetos.” Da Silva, atualmente, está publicando um artigo com Natalia Montellano, pós-graduanda da Universidad Nacional de Rosario, na Argentina, que participou de uma das primeiras edições da escola e agora retorna para atualizar seus conhecimentos na área. “A interação é proveitosa, pois aprendo com os outros alunos e professores. É como um duplo aprendizado, e posso compartilhar um pouco da minha própria experiência”, disse Montellano.
Os benefícios dessa migração de conhecimentos entre diferentes áreas foi bem exemplificada em uma das palestras da segunda semana, ministrada por Greg Huber, da University of California. Huber apresentou sua pesquisa com as rampas de Terasaki, estruturas tubulares helicoidais encontradas experimentalmente em membranas de organelas dentro de células, bem como previstas teoricamente na superfície de estrelas de nêutrons. A similaridade entre as estruturas, segundo ele, é surpreendente, pois os dois ambientes são extremamente diferentes em termos de tamanho e forças atuantes, apesar de serem sujeitos a fenômenos e condições que podem ser consideradas, em certa instância, análogas. “Isso mostra que os cientistas das duas áreas trabalham com linguagens diferentes, mas em cooperação podem se beneficiar. A estrutura já havia sido observada nas células, sempre esteve lá, mas não havia sido descrita da forma que um físico, com conhecimento em linguagem matemática e geométrica a descreveria”, disse Huber. “Podem existir outras estruturas interessantes dentro da célula que ainda não foram descritas da mesma forma.”
Por ser uma área de interface entre a biologia e a física, duas áreas que não necessariamente conversam em técnicas ou abordagens, adaptar as aulas para ambos os públicos foi um desafio que os organizadores tinham em mente na hora de conceber a escola. “Alunos e professores de diferentes áreas precisam de bastante conhecimento em biologia e física e suas áreas de interface. E quando se está trabalhando nas duas áreas, não é possível fazer um sem saber o outro”, disse Pasquali. E continuou: “A física que se aplica, digamos, à molécula de DNA, é a mesma que se aplica à proteína ou nanobjeto que se está querendo produzir. No fundo, todos os cientistas tem o mesmo objetivo: compreender a natureza.”