Experiência imersiva com óculos de realidade virtual mostra o dia a dia das estudantes de física
Projeto de estudante de física da USP propõe mostrar, de forma respeitosa e ao mesmo tempo combativa, a realidade da vivência de alunas de cursos majoritariamente frequentados por homens.
Empatia é um conceito cujo significado é relativamente bem conhecido – a capacidade de se identificar com outra pessoa, de se colocar no lugar dela. Porém, praticar a empatia é uma tarefa muito mais complicada, especialmente quando as pessoas envolvidas têm realidades muito contrastantes. O projeto da estudante Dindara Galvão, da USP, consistiu na produção de um curta metragem sobre as dificuldades encontradas na carreira acadêmica por conta do gênero. Ela utiliza óculos de realidade virtual para oferecer uma experiência imersiva, colocando o espectador no lugar das protagonistas, experimentando na pele situações comumente vividas por graduandas das áreas de exatas.
A iniciativa já existia antes, como projeto da pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP, mas com um formato completamente diferente: a ideia era produzir uma peça de teatro que contava a trajetória de uma pesquisadora, através de relatos reais. Quando Dindara assumiu, adaptou o foco para algo que lhe era mais familiar: sua vivência como aluna do bacharelado em física “como eu vivi muitas coisas na graduação, eu achei que seria importante trazer essa visão”. Para potencializar o alcance e distribuição do trabalho, a estudante optou por produzir um curta metragem e seu orientador, o professor Caetano Miranda (IFUSP), propôs utilizar uma câmera 360° e tornar essa experiência imersiva.
O grupo organizou questionários online para recolher relatos de mulheres das graduações de diversos institutos de ciências exatas da Universidade de São Paulo (Instituto de Física (IFUSP), Matemática (IME-USP), Química (IQ-USP) e Astronomia Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP). Os roteiros das cenas do curta metragem foram escritos a partir das situações mais recorrentes nos relatos. O curta tem 10 cenas que, embora independentes, são organizadas numa sequência lógica. Ele ilustra a carreira acadêmica desde o início, logo após a aprovação no vestibular, até o reconhecimento como pesquisadora, encenada numa “corrida pelo Nobel”. Cada cena representa situações negativas vivenciadas pelas mulheres no ambiente acadêmico, incluindo difamação, humilhação, invisibilização por colegas e professores, assédio, a questão da maternidade, entre outros.
Apesar de estar bastante orgulhosa do resultado final de sua produção, Dindara confessa que se frustrou bastante no início “eu não senti que tinha respaldo, mesmo das meninas. Às vezes as pessoas não querem compartilhar as coisas, ou estão preocupadas com suas pesquisas. Muitas vezes eu me questionei: será que isso é só coisa da minha cabeça?”. Desde que começou a ler os relatos e, em especial hoje, vendo a repercussão do vídeo, ela não tem dúvidas de que existe um tratamento diferenciado para homens e mulheres nos cursos de exatas. Segundo a estudante, produzir o curta acabou sendo uma ferramenta de transformação, como uma terapia. “A liberdade de poder falar sobre o que você está passando tira o peso das costas” comenta Giulia Lima, atriz e integrante do projeto.
As mulheres envolvidas na produção relatam que o processo foi desgastante e dolorido, justamente por concretizar experiências negativas que muitas vezes elas mesmas tinham vivido. Roberta Uiop, artista visual que também integrou a equipe, comenta que, ao assistir o filme completo, sentiu raiva das situações “parece que quando você está fazendo, você está no controle. Assistir é diferente”.
O curta metragem estreou durante o Workshop de Habilidades para Jovens Cientistas, realizado entre 07 e 09 de outubro no ICTP-SAIFR, centro de pesquisa associado ao IFT-UNESP. O evento contou com a presença de dezenas de mulheres cientistas de toda a América Latina. Dindara acredita que suas expectativas foram atendidas no evento e está animada para exibir sua produção durante o Workshop de Desenvolvimento de Carreira para Mulheres em Física, entre os dias 28 de outubro e 1° de novembro. Semelhante ao evento realizado no ICTP-SAIFR, o workshop será realizado no ICTP Trieste (Itália) e reunirá cientistas para discutir a presença de mulheres na Física, e estratégias para alavancar as carreiras de jovens pesquisadoras.
A estudante admite que gostaria que mais homens assistissem ao vídeo “a ideia é exibir a realidade de forma respeitosa, sensível, mas ao mesmo tempo combativa”. Ela acredita que sua produção pode ajudar a coibir comportamentos inadequados dos homens. Por isso, agora seu principal objetivo é divulgar massivamente o projeto, em especial durante as semanas de recepção de calouros no seu instituto e outros, onde exista grande disparidade de gênero. Você pode assistir ao curta no Youtube e apoiar o projeto seguindo nas redes sociais Instagram e Facebook.
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