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Ciência em Diálogo: Ficção Científica
No dia internacional de Star Wars, 4 de maio, foi realizado o segundo encontro do Ciência em Diálogo: Física e Arte com um tema bastante apropriado para a data: Ficção Científica.
Para debater sobre o tema o professor e astrofísico Rodrigo Nemmen do IAG-USP e o escritor e tradutor Antônio Xerxenesky. Como já é de costume a conversa foi mediada pelo pesquisador Rogério Rosenfeld e cada um dos palestrantes teve 15 minutos para expor sua abordagem para, depois, abrir espaço para perguntas e interação com o público.
Para começar o debate Antônio lançou uma pergunta que, apesar de parecer trivial, não fornece uma única resposta: “O que é ficção científica?”. Até hoje muitos escritores, leitores e amantes da ficção científica apresentaram inúmeras definições, às vezes complementares, às vezes opostas, para caracterizar esse gênero.
Assim como seu conceito e, provavelmente por conta disso, marcar o início da ficção científica também é uma tarefa difícil: existem argumentos afirmando que esse gênero existe desde As Mil e Uma Noites, porém, também existe um consenso de que a ficção científica teve início com a Mary Shelley, escritora de Frankstein. “Não só porque tem o cientista maluco, mas porque apresenta uma extrapolação do que a ciência pode fazer e uma imaginação do que isso acarretaria”, comenta Antônio.
Depois desse salto inicial outros escritores, como Júlio Verne (Viagem ao Centro da Terra), surgiram criando uma era de euforia e extrapolação criativa, buscando imaginar o que existiria além das fronteiras da ciência da época. Esse frenesi culminou na criação da Amazing Stories (1926), a primeira revista dedicada apenas a ficção cientifica e que conduziu à conhecida Era de Ouro da ficção científica, com início nos anos 30 indo até 1960. Entre os escritores publicados estavam Isaac Asimov (Trilogia Fundação), Ursula K. Le Guin (Ciclo de Terramar) e H.G. Wells (Guerra dos Mundos).
Capa da edição de maio de 1926 anuncia histórias de H. G. Wells, Júlio Verne e Edgar Allan Poe.
Para mostrar que ficção científica não é só “coisa de americano” o escritor falou também sobre a contribuição da Rússia para o gênero, “a ficção soviética que emergiu no período da Revolução Russa tinha um forte caráter utópico. Eles estavam imaginando como seria a sociedade no futuro, com homens todos iguais em uma cidade perfeita, onde não há mais pobreza, nem crimes”. Quando o comunismo foi se firmando o Estado iniciou perseguições aos escritores que imaginavam essas utopias.
Antônio também destacou que a palavra “robô” não foi uma criação norte-americana e sim obra de Karel Čapek, um escritor tcheco, que usou essa palavra pela primeira vez nos anos 20 em uma peça de teatro, “vejam só vocês, a primeira ficção científica escrita com robôs, já tem robôs se revoltando contra a humanidade”, brinca. Curiosamente, a palavra teve origem a partir de “robota“, que pode significar trabalho exercido de forma compulsória, ou escravo.
Pôster da peça de Karel Čapek
Iniciando a conexão entre humanas e exatas, o escritor comentou da relação “problemática” que existe entre ficção científica e ciência. Afinal, até onde o escritor tem a liberdade de explorar o lado da ficção e até onde ele deve se manter preso no lado científico? “Durante a Era de Ouro existia uma cobrança muito grande de que o escritor tinha que ser quase um futurólogo para prever quais seriam os avanços tecnológicos do futuro”, comenta.
Após questionar se um escritor pode burlar regras científicas para escrever uma boa história, Antônio lembra o caso de Star Wars, entre outras obras, que perderiam muito de seu apelo caso tivessem se prendido estritamente à ciência, “acho que todo escritor tem que se questionar sobre o que é importante para sua obra. O relevante para Star Wars é muito mais uma história mítica, do que ser fiel à ciência”. Ao fim desse questionamento, Antônio passou a fala para que o pesquisador Rodrigo Nemmen apresentasse seu ponto de vista.
“Nós vivemos numa era de ficção científica”, iniciou o pesquisador, “pela aceleração de processos científicos e tecnológicos pela qual estamos passando, nós estamos vivendo em uma sociedade de ficção científica”. Para comprovar seu ponto Rodrigo trouxe duas notícias, no mínimo, chocantes. A primeira tratava sobre conseguir manter cérebros de porcos vivos sem o corpo, enquanto a segunda falava sobre a possibilidade de realizar um back-up do cérebro humano.
Para organizar sua apresentação, Rodrigo optou por mostrar o que foi previsto na ficção científica e o que é fato hoje em dia. Para dar início a esse debate ele começou a discutir um tema muito discutido atualmente: Inteligência Artificial. Na ficção científica essa temática foi e continua sendo amplamente explorada, em filmes como Her (2013), 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) e Blade Runner (1982) e em livros como Neuromancer (William Gibson) e Eu, Robô (Isaac Asimov).
Hal 9000 do filme 2001: Uma Odisseia no Espaço
A primeira referência de Inteligência Artificial é de 1906, do escritor Samuel Butler, que diz “a consciência mecânica eventualmente vai surgir, apesar das máquinas possuírem pouca consciência agora. Reflitamos sobre os extraordinários avanços que as máquinas têm feito nos últimos 100 anos e notemos o quão devagar os reinos animal e vegetal estão avançando“. Apesar de se tratar de uma frase com mais de 100 anos, a comparação das escalas tecnológicas e culturais em relação à evolutiva é algo que está sendo muito discutido nas comunidades científicas do meio. Além disso, assim como a ficção científica, ainda não existe um consenso sobre uma definição para I.A, algo que também está sendo debatido.
Mesmo com os avanços tecnológicos atuais, Rodrigo tem certeza que, pelo menos por enquanto, não devemos nos preocupar com uma “revolta das máquinas”, uma vez que a ciência ainda está muito distante de conseguir um organismo cibernético com tecidos vivos sobre um endoesqueleto de metal. Então o que existe agora em termos de IA? O cientista responde a pergunta “hoje nós temos programas de computador que realizam tarefas muito específicas que, normalmente, necessitariam de humanos”. Enquanto nós, humanos, temos a facilidade de aprender uma ampla gama de tarefas e habilidades, os algoritmos existentes de IA são muito bons em tarefas específicas. Alguns exemplos são carros automatizados, reconhecimento de imagem, assistentes virtuais como a Siri (Apple) e Cortana (Windows).
Também existem IAs programadas para jogar jogos, dentro dessa área, um dos grandes desafios para a Inteligência Artificial era o Go, um jogo chinês que possui alto grau de complexidade: “em um certo estado de disposição das peças no tabuleiro, o jogador tem a possibilidade de um número de jogadas que excede o número de átomos no universo”, explica o pesquisador. Pela primeira vez, dois anos atrás uma Inteligência Artificial, desenvolvida pela Google DeepMind, conseguiu derrotar o melhor jogador do mundo de Go. O algoritmo, sua versão mais recente chamada de AlphaGo Zero, aprende jogando consigo mesmo: em 24h o algoritmo aprendeu sozinho e superou o melhor jogador do mundo, em três dias ele se tornou imbatível contra sua versão anterior e em 21 dias ele se tornou imbatível contra todos os códigos jogadores de Go que existem no mundo.
Os avanços em Inteligência Artificial já estão tendo um forte impacto na economia e na sociedade, “empregos com habilidades mais básicas se tornarão obsoletos rapidamente”, comenta Rodrigo. Com esse cenário em mente, uma das preocupações existentes é como será possível preparar as novas gerações para um futuro tão modificado, com uma “obsolescência programada de seres humanos”.
O próximo tema do Ciência em Diálogo no IMS: Física e Arte será “A noção de beleza”. Os convidados dessa edição são o físico Pedro Vieira, que trabalha com integrabilidade e teoria de campos, e a crítica de arte Sônia Salzstein, autora de Matisse: imaginação, erotismo, visão decorativa. O evento acontecerá no dia 8 de junho, às 19:00, no Instituto Moreira Salles (Av. Paulista, 2424 – Consolação). A palestra é gratuita e conta com a distribuição de fichas 60 minutos antes do início do evento. Para mais informações acesse: ICTP-SAIFR Ciência em Diálogo ou IMS Ciência em Diálogo.
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