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Um matemático no mundo das vacas esféricas

Written by Victória Flório on October 5th, 2018. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

Ganhador da Medalha Fields em 2006, Andrei Okounkov aposta nos aspectos lúdicos para popularizar a matemática e defende a colaboração como valor importante para pesquisa e ensino de ciências

Andrei Okounkov durante sua palestra no ICTP-SAIFR, no campus do IFT, Unesp. 

 

Durante o último Congresso Internacional de Matemática (ICM), que aconteceu em agosto, no Rio de Janeiro, Andrei Okounkov foi informalmente eleito como autor da palestra mais bonita e legal. Doze anos depois de ter recebido a maior distinção de sua área, a medalha Fields, Okounkov enfrentou o desafio de apresentar a plenária da ICM, “Na encruzilhada da geometria enumerativa e da teoria das representações geométricas”, para pesquisadores de diferentes campos da matemática. Além de abstratas, geralmente, as apresentações em eventos do porte da ICM são muito específicas, mesmo para outros matemáticos. Okounkov, no entanto, sabe como cativar a audiência. Oportunamente, ele insere o assunto de forma divertida, usando imagens e anedotas. Ele defende o ensino e popularização da matemática usando a diversão como estratagema. Formado no contexto russo de ensino de ciências, Okounkov chegou à matemática depois de passar pela economia, e não pela via tradicional das olimpíadas científicas. O matemático deixou a Rússia em anos difíceis para pesquisar nos EUA, passou por Princeton, e, atualmente divide seu tempo entre a Universidade Colúmbia, em Nova Iorque, e Moscou. O matemático enfatiza o trabalho árduo, a discussão com os pares e a colaboração como valores mais significativos para o sucesso na pesquisa, e nesse espírito prepara-se para receber a ICM, daqui a quatro anos, em São Petersburgo, capital cultural da Rússia. Durante sua estada no Brasil, Okounkov também participou de conferências satélites da ICM, como o Workshop em Física Matemática, no ICTP-SAIFR, sediado no IFT-UNESP, em São Paulo. Para ele, a matemática oferece a linguagem para descrever as teorias físicas, como a teoria de cordas e gravidade quântica.

 

 

 

Existe um imaginário escolar de que matemática é sinônimo de tormento…

A matemática não é um monstro, mas, de fato, é muito complexa. Acho que uma boa parte da sociedade é curiosa sobre matemática. Para estudantes e público, em geral, é muito importante a maneira como os matemáticos projetam a sua mensagem, o que é verdade não apenas para a matemática, mas para as outras ciências. As questões da ciência e da matemática constituem a essência da nossa vida. A ciência é o centro do que faz a sociedade funcionar. É muito importante despertar o interesse das crianças por esses temas.

 

Existe algo de diferente no ambiente cultural e intelectual russo quanto ao ensino de ciências e matemática? Como isso influenciou sua aproximação com a pesquisa?

Eu comecei na economia. Mas eu gostava mais de matemática, então mudei de área. Na Rússia, entretanto, há uma grande tradição dos Círculos de Matemática, Química, Física e as Olimpíadas Científicas, que, a meu ver, são uma contribuição para estimular nas crianças o gosto por matemática e ciências. Nesses ambientes, as crianças são desafiadas com problemas, enigmas, experimentos, bem diferente de fazer um dever de casa. Tanto nesses círculos como nas olimpíadas, as crianças estão em contato umas com as outras, com professores. A competição, até certo ponto, pode ser estimulante, mas não deve ser tratada como central. No processo de aprendizagem, recebe-se tanto dos professores quanto dos pares. O mais importante nessas experiências, é o elemento do desafio porque nem todas as pessoas serão capazes de resolver todos os problemas, o que também acontece entre os matemáticos.

 

Além dessa componente do desafio, como despertar o interesse escolar das crianças pela matemática?

Um bom professor ajuda nesse sentido, mas as crianças tem que ter outros estímulos para continuar aprendendo. No caso da matemática, deveria ser mais divertida, mais como uma descoberta e menos obrigatória. Poderia ser apresentada como a música. Todos podem apreciar uma música tocada no violino, mas não será obrigado a tocar o instrumento. Da mesma maneira, nem todo mundo terá treinamento formal em matemática. Seria traumático se fosse obrigatório tocar violino na escola.

 

Quando se trata de aproximação com o grande público, como a matemática se compara a outras ciências?

Quando o que se tenta explicar é uma coisa extremamente complexa, surge  o problema da falta de precisão. Não é intrinsecamente mais difícil divulgar matemática porque há certos temas, como teoria dos números, que poderiam ser explicados para qualquer um. Além de serem fáceis, são divertidos. Tomemos o exemplo da biologia, que também é uma área extremamente complexa, cheia de nomenclaturas complicadas, que podem demandar anos de aprendizado. Os biólogos fazem um trabalho melhor comunicando a biologia do que os matemáticos. Diria que a situação com a matemática não é muito diferente, mas os matemáticos precisam encontrar um caminho para se comunicar com a sociedade e mostrar que a complexidade da matemática pode ser algo excitante.

 

Qual o papel da matemática na sociedade?

A sociedade é uma coisa complicada. Mas a relação da matemática e das ciências com a sociedade e com nossas vidas se manifesta nas questões da tecnologia. Os telefones celulares que as pessoas usam cotidianamente têm por trás uma ciência avançada. Alguns abraçam as mudanças tecnológicas enquanto outros se distanciam delas. Estou muito preocupado sobre o futuro da relação tecnologia-sociedade porque, talvez, nem todos serão capazes de participar e trabalhar no mundo tecnológico. Algumas pessoas serão o que se pode comparar a um analfabeto do século passado. É possível ser um membro de valor da sociedade sem saber matemática e ciências, mas, minha preocupação é como isso vai acontecer ou como vai se desdobrar no futuro.

 

No futuro, os computadores serão melhores matemáticos que os humanos?

Depende da definição de matemática adotada. Se for uma lista de procedimentos a serem memorizados, os computadores serão melhores em qualquer coisa que possa ser formalizada. Nós temos que abraçar essas mudanças. Não podemos lamentar o fato de que os carros são mais rápidos do que os humanos porque, afinal, a utilidade dos carros reside exatamente em serem mais rápidos. Há muitos fenômenos complexos na natureza que não podem ser desvendados sem a ajuda dos computadores, eles podem representar um número de cenários muito grande em muito menos tempo que nós. É difícil dizer algo sobre a equação de Einstein sem a ajuda dos computadores. Mas lembro que a matemática não é apenas uma lista de processos a serem memorizados.

 

O que distingue os humanos no fazer da matemática?

Criatividade. Talvez criatividade não seja a melhor palavra, mas, sim, descoberta. O processo de descoberta na matemática é algo surpreendente. Os matemáticos não ficam sentados em seus escritórios tirando ideias brilhantes do nada. Eles têm de pensar em múltiplos exemplos, desenvolver a intuição e trabalhar em uma conjectura geral.

 

Pode-se dizer que há uma habilidade especial para ir bem em matemática?

O treinamento define mais como se vai em matemática do que qualquer habilidade especial. Acho que não há uma tarefa específica que permita um bom desempenho em matemática. O que se precisa da memorização, por exemplo, é fazer uma ou outra multiplicação, mas uma calculadora faz isso melhor. A matemática tem muitos sabores, o cálculo diferencial e integral é apenas um. Em geral, é melhor começar com um panorama, mas algumas pessoas pensam mais geometricamente, enquanto outras mais algebricamente. O que frequentemente acontece é que elas passam primeiro pelo treinamento básico e, se quiserem aprender um sabor totalmente diferente, tem que desenvolver uma maneira de juntar os sabores, correlacionar ideias adquiridas previamente.  

 

Sobre o que é a matemática?

A matemática é uma ótima forma de organizar ideias, procurar um princípio ordenador por trás de um determinado problema, ou de muitos problemas de determinado tipo. Ao invés de focar em características particulares e detalhes, a matemática busca princípios gerais. Talvez, outra maneira de entender isso seria dizer que em matemática não se pensa em um problema de forma muito concreta. Um dos meus professores diz que a chave para resolver qualquer problema em matemática é remover toda a informação desnecessária.

 

Há muitas anedotas sobre a forma não-realista como matemáticos e físicos interpretam a realidade para investigá-la…

As semelhanças no modo de matemáticos e físicos encararem a realidade relacionam-se ao fato de que a realidade não reside em seus aspectos peculiares, é preciso remover e descartar características para investigá-la. Há muitos níveis nos quais se pode dizer algo verdadeiro sobre uma determinada coisa, por exemplo, sobre o volume de uma vaca. Considerar o nome de uma determinada vaca adiciona complicações à investigação sobre seu volume porque, então, leva à perguntas particulares sobre todas as outras vacas. Tanto os matemáticos como os físicos buscam os aspectos mais gerais possíveis para descrever uma vaca e daí surgem as anedotas.

 

Matemática é ciência?

Sem dúvida. E é arte. Mas ciência também é arte. Matemática não é como um laboratório de química, onde coisas são misturadas, previsões feitas e se espera pra ver o resultado. Matemática é relacionada a curiosidade humana, ao desejo de sistematizar o mundo e trazer uma noção geral sobre como ele é construído, como se desenvolve. Mas ainda sobra lugar para a poesia e a beleza.

 

E quanto a interação da matemática com a biologia?

Ao interagir com pessoas de fora da matemática, elas, frequentemente, perguntam sobre a solução de uma equação específica ou como resolver determinado problema tendo em vista propriedades particulares. Mas é muito mais fácil pensar nas propriedades mais gerais dos problemas porque isso força o pensamento para termos mais fundamentais. É importante pensar nos tipos e lugares específicos, como na biologia, o tal inseto que voa em torno da tal flor. Os detalhes são muito bonitos, mas não são essenciais para resolver equações. Em matemática, procuramos o tipo certo de generalidade, o que implica descartar insetos e flores.

 

Qual a contribuição mais importante da matemática para o pensamento humano?

Diria que é a noção de que o livro da natureza está escrito em símbolos matemáticos, como na conhecida citação de Galileu Galilei. Não há dúvidas sobre isso. A noção intrínseca da ciência moderna é que ela requer uma matemática complicada e, talvez, isso seja devastador para um indivíduo, mas nem tanto quando se considera a comunidade científica e o poder computacional.

 

Sua plenária na ICM foi elogiada por ser visualmente bonita. Em algumas passagens de uma palestra sua sobre monodromia, um tema desconhecido mesmo de matemáticos, você arranca risadas da audiência.

Monodromia é o estudo do comportamento de funções definidas em torno de singularidades. Escadas em espiral são uma boa forma de ilustrar a situação. No alto de uma escada, tem-se uma função, no andar inferior, tem-se outra função diferente. Um colega meu tem uma maneira muito engraçada de explicar a monodromia, que eu tomo emprestada: “Você sente que está andando em círculos e não chega a lugar algum? As coisas não devem ser  tão ruins quanto parecem. Você deve estar chegando a algum lugar, mas não percebe isso por não estar ciente de sua monodromia pessoal”. Talvez, devêssemos pensar mais em nossa monodromia pessoal para entender o problema em matemática.

 

Você deixou a Rússia para ir para os EUA, mas agora passa parte do ano lá. 

Houve tempos difíceis na Rússia em que foi difícil conciliar a vida pessoal e o trabalho como matemático. Mas agora há bons lugares para estudar na Rússia, eu passo cada vez mais tempo lá. Meu ano se divide entre Colúmbia e Rússia. Inclusive, a próxima “Copa do Mundo da Matemática” será na Rússia e estamos nos preparando para, além de oferecer uma ótima visita a todos os participantes, discutir a divulgação de matemática para o público leigo.

 

O relativista Alberto Saa

Written by Malena Stariolo on May 2nd, 2018. Posted in Blog do ICTP-SAIFR

O físico fará uma palestra no primeiro dia do Pint of Science, na qual falará sobre o conceito de infinito na física e matemática. Essas duas áreas sempre foram uma paixão para ele, mesmo quando pequeno. Conheça um pouco mais sobre a trajetória do palestrante. 

Alberto Saa ao lado del Culo de la Leona em Gerona.

Quem é aluno do professor Alberto Saa pode não desconfiar mas, na verdade, ele é uma pessoa bem tímida. Filho de uma família de imigrantes espanhóis e natural de São Paulo, Alberto fez a graduação, mestrado e doutorado no Instituto de Física da USP e se considera “cria dessa casa”. Depois de ter passado o pós-doutorado viajando por vários países da Europa, o professor conseguiu um emprego na UNICAMP, o que o fez voltar para a terra onde tinha crescido. Nesse ponto Alberto brinca “como todo paulistano, eu tinha um enorme preconceito com o interior do Estado… E eu acabei conseguindo um emprego na UNICAMP” ele ri ao lembrar da situação, e completa “mas a verdade é que eu sou muito feliz lá. Eu me arrependo de ter tido esses preconceitos, talvez, se eu tivesse conhecido o interior do estado antes, poderia ter sido melhor”. De fato, Alberto se sentiu tão bem que trabalha até hoje na UNICAMP como professor titular de física-matemática.

Ao contrário da maioria das pessoas, Alberto não se lembra quando começou a se interessar por ciência. Pensando em retrospectiva e tentando encontrar o momento que esse interesse teve início, o professor percebeu que parece que esse gosto foi algo que esteve sempre presente em sua vida. “Minha mãe conta que teve uma fase que eu era alucinado com a ideia de ser espião, mas eu tenho a impressão que ela interpretou mal os meus sinais, acho que eu queria ser cientista mesmo. Eu não tenho outras lembranças que não fossem de eu querendo me envolver com ciência”. Quando era pequeno sua diversão era montar circuitos elétricos, um hobby que aprendeu praticamente sozinho antes de entrar no colégio, depois, começou a criar gosto pelos livros do Isaac Asimov e como eles discutiam o impacto da ciência no mundo normal.

À medida que foi crescendo, apesar de gostar de todas as áreas da ciência, Alberto começou a desenvolver um interesse particular por matemática e física, tanto que, quando estava pensando qual curso queria seguir na graduação, a grande dúvida era exatamente qual dessas áreas ele iria escolher. A decisão ficou mais clara quando começaram as aulas de cálculo e ele foi capaz de perceber como o conteúdo estava intimamente conectado com problemas físicos. “Acho que não é exagero dizer que eu fui atraído para a física pela matemática”, comenta.

Mas, assim como muitas pessoas, a trajetória em um curso nem sempre é simples. Alberto teve muitos colegas que desistiram durante o percurso, outros tantos que se frustraram com expectativas inalcançáveis. Entretanto, quando questionado a respeito, ele diz que percebe que o que lhe dava forças para continuar era não criar expectativas grandiosas, como ganhar um Nobel, mas as pequenas realizações do cotidiano que o emocionavam e o inspiravam para continuar pesquisando e aprendendo.

“Eu tinha prazer em descobrir pequenas coisas. Então, resolver um exercício difícil me dava prazer. No meu trabalho de pesquisa, me dá prazer descobrir alguma coisa que é absolutamente irrelevante para qualquer um que não esteja pensando naquilo. O fato de você ter feito uma pequena descoberta, que não vai mudar absolutamente nada a vida da humanidade, mas que é um problema que várias pessoas pensaram durante muitos, muitos anos, e nunca conseguiram resolver, o fato de eu conseguir, me dá algum prazer. E eu acho que só consegui continuar nisso porque eu tenho prazer nessas pequenas descobertas do dia-a-dia”.

Hoje, Alberto Saa é um relativista, o que significa que ele é um especialista em Relatividade Geral. Do ponto de vista físico e do ponto de vista matemático a Relatividade Geral tem duas áreas muito diferentes. Por um lado está a Cosmologia, que é a descrição do universo inteiro, enquanto do outro estão os Sistemas Estelares, que trabalham com a descrição de corpos isolados, como estrelas e buracos negros. As pesquisas de Alberto estão voltadas mais para a área de problemas estelares, e quase todos os seus trabalhos têm uma motivação ou aplicação em física de buracos negros.

Alberto Saa é um dos convidados da próxima edição do Papos de Física, que está dentro da programação do Pint of Science, e irá falar sobre o conceito do infinito na física e na matemática. Sua apresentação será no dia 14 de maio, segunda-feira, no Tubaína Bar (R. Haddock Lobo, 74 – Cerqueira César) às 19:30. No mesmo dia o físico Gastao Krein fará a palestra “A Flecha do Tempo: Porque envelhecemos e nunca rejuvenescemos”. Para a programação completa e mais informações acesse Papos de Física e Pint of Science São Paulo.