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Física e Arte: Fotografia Espacial
Existem diferentes formas de interpretar aquilo que nos rodeia. Cada um de nós tem uma visão diferente sobre algo baseada em nossas experiências pessoais, nosso conhecimento e nossa bagagem cultural. Assim, se duas pessoas olharem uma mesma foto, cada uma pode analisá-la de uma perspectiva diferente. Podemos ver uma imagem do espaço e pensar no processo de tratamento que ela passou, encará-la como uma arte abstrata, ou ainda questionar quais tecnologias estavam por trás dessa imagem, que tipo de conhecimento espacial ela nos transmite ou como ela pôde ser interpretada pelas diferentes pessoas que a viram. Podemos, ainda, simplesmente não dar importância, passando reto por uma fotografia da Terra, igual a tantas outras que já tivemos acesso.
Em sua segunda edição, o evento Ciência em Diálogo no IMS: Física e Arte trouxe um debate sobre Fotografia Espacial. Para apresentar as diferentes visões do assunto, do lado da ciência o convidado foi o físico Raul Abramo, professor do Instituto de Física da USP, com pesquisas na área de Cosmologia Teórica e Observacional e, do lado da arte, a doutora em ciências da comunicação Cristina Bonfiglioli que estuda os laços entre arte, tecnologia e ciência na percepção da paisagem a partir da fotografia aérea e astronômica.
Independente de como interpretamos as imagens que chegam até nós, uma característica é geral: precisamos de luz para poder enxergar. A luz, entretanto, é muito mais complexa e apresenta mais variáveis do que imaginamos. A luz visível, que é a faixa que, como o próprio nome indica, conseguimos observar, está contida em um espectro com outros diferentes comprimentos de ondas, como as ondas de rádio, o infravermelho, a ultra-violeta, os raios-x e os raios-gama, todas estas invisíveis a olho nu.
O professor Raul Abramo destaca que nós temos uma limitação básica já que, de todo o comprimento de luz, nós vemos apenas uma pequena parcela. Como consequência, ao ver uma imagem, enxergamos apenas uma parte da informação que ela contém. Mas isso não quer dizer que não conseguimos observá-la por outros meios, hoje existem equipamentos que nos permitem ver uma mesma fotografia sob diferentes comprimentos de onda. Isso é útil porque nos torna capazes de analisar seus diferentes aspectos, uma vez que cada comprimento de onda é responsável por nos revelar características distintas.
Na imagem podemos ver como uma mesma fotografia apresenta características distintas quando exposta a diferentes comprimentos de onda.
Ao olharmos para o universo acontece a mesma coisa, a imagem de uma galáxia na luz visível é completamente diferente se analisada sob a luz infravermelha, que nos fornece informações distintas daquelas fornecidas pela luz visível. Ambas carregam informações valiosas porém diferentes. “A fotografia permite, então, alargar o limite do possível, a gente consegue enxergar com os nossos olhos aquilo que não conseguiríamos se não tivéssemos aqueles instrumentos”, diz o pesquisador, “o interessante é que eles expandem as possibilidades científicas e artísticas também”, completa.
Mas como funciona o processo de montar uma imagem? Alguns telescópios são capazes de capturar até 7 comprimentos de ondas diferentes, em imagens separadas. Imagine um quebra-cabeça, temos sete peças, cada uma com informações diferentes e precisamos unir todas elas para formar apenas uma. Apesar de parecer trivial, esse processo envolve o conhecimento por parte do profissional de saber como o humano irá perceber uma imagem. Nesse ponto a ciência abre um pouco de espaço para o trabalho artístico e subjetivo de tentar compreender a visão de outros.
Fotografias tiradas de uma mesma galáxia sob sete diferentes comprimentos de ondas e, no centro, a imagem final com a soma e tratamento de todas.
“Muitas vezes, retratando uma figura de uma maneira diferente, você permite ao cientista ver algo que ele não estava vendo antes. Afinal de contas, cada uma dessas imagens têm uma dimensão diferente. Se as misturarmos ou fazermos uma subtração vamos ver outra coisa. Então as combinações e cores revelam informações novas, e isso não é só uma questão científica, é também uma questão artística. Aquilo que vamos prestar atenção, aquilo que vai conectar com algo que achamos fazer sentido é algo que diz respeito ao nosso cérebro, a nossa intuição, a como nós, dentro de processos que são criativos, como nós descobrimos essas coisas novas”, concluiu o professor.
E se mudarmos nossa perspectiva e pararmos de analisar fotos a partir de equipamentos e olharmos para elas apenas com as características que nossa visão nos proporciona? A verdade é que hoje não teríamos tantas maneiras diferentes de estudar o universo se, desde as primeiras civilizações, os seres humanos não tentassem mapear o céu. Assim, à medida que a sociedade e a ciência iam evoluindo, as formas de registro também evoluiam. Através de pinturas, desenhos e números se buscavam maneiras cada vez mais eficientes de preservar a informação que ele continha.
Foi então, no século XIX, que esse processo de mapeamento deu um salto: fotógrafos, inventores e cientistas trabalharam juntos para buscar formas de registrar o céu através de máquinas e obter imagens que tivessem um alto grau de duração, precisão e qualidade. Assim, quando Louis Daguerre, apresentou o daguerreótipo, em 1839, cientistas dos mais variados campos perceberam a importância que aquele equipamento teria em seus estudos. Surgiu, dessa forma, a primeira promessa de realizar uma geografia dos céus e, com ela, os grandes primeiros registros astronômicos.
O daguerreótipo foi inventado pelo físico e pintor Louis Daguerre. O aparelho fixava as imagens obtidas na câmara escura numa folha de prata sobre uma placa de cobre.
Durante quase duas décadas as únicas fotos que a humanidade tirou eram direcionadas da terra para o céu, até 1858, quando o fotógrafo francês Félix Nadar sobrevoou Paris em um balão, tirando as primeiras fotografias áreas, invertendo, pela primeira vez, nossa visão. Imaginem como foi para as pessoas de Paris, pela primeira vez na vida, vendo uma foto tirada de cima para baixo. A partir de então outras fotos áreas foram surgindo, muitas tiradas de aviões de espionagem durante a segunda guerra mundial. Mais tarde, o pintor Malevich, olhando para as imagens começou a pensar na distância, no espaço, como algo que se conectava com as pessoas muito mais no nível dos sentidos do que no racional. Muitas vezes não se sabia o que se estava vendo nas fotografias, assim, o conteúdo delas se tornou secundário, enquanto a forma passava a ganhar importância despertando a “sensibilidade pura”.
“Que paisagem é essa que é vista do céu?” pergunta Cristina.
Quando as primeiras imagens dos astros surgiram, elas impactaram a população, elas não eram apenas belas mas traziam consigo uma grandiosidade e um assombro que se conectavam diretamente com a dimensão sensível. Assim, por um lado tínhamos a produção das imagens e, do outro, a imaginação humana sendo alimentada. Como exemplos temos Julio Verne escrevendo livros de “ficção possível”, como ir ao centro da Terra ou ir até a Lua e, mais tarde, no início do século XX vamos ter Méliès, fazendo um filme, sobre uma viagem da Lua, que gerou a icônica imagem desse satélite sendo atingido por um foguete.
“O homem já tinha sonhado com a viagem a Lua, ele já tinha sonhado com essa visibilidade, era algo possível. Então quando a Earth Rise é registrada pela Apollo 8 em 1968, é meio louco, porque o homem já tinha sonhado com aquilo, mas é uma realização daquele sonho”, comenta Cristina.
Earth Rise. A imagem original apresentava a terra surgindo da lateral da Lua, a NASA tratou a fotografia e deixou a lua na base.
As imagens do universo serviram, e continuam servindo até hoje, de inspiração para as mais diversas expressões artísticas e para instigar a curiosidade humana em busca de mais conhecimento sobre o universo, o que gera o desenvolvimento de novas tecnologias. Além disso, elas são umas das responsáveis pelo surgimento da ficção científica, que tem seu marco inicial com a Guerra dos Mundos de H. G. Well e vem evoluindo desde então, chegando ao ponto de serem feitas superproduções unindo cientistas e artistas, como foi o caso de Interstellar, um filme de Christopher Nolan que trabalhou com a colaboração de Kip Thorne, físico da Caltech, especialista em ondas gravitacionais.
Ficção científica será o tema do próximo Ciência em Diálogo no IMS: Física e Arte e, para levantar essa discussão, os convidados são o astrofísico Rodrigo Nemmen, que trabalha com astrofísica e buracos negros, e o escritos e tradutor Antônio Xerxenesky, autor de “As perguntas, F”. O evento acontecerá no dia 4 de maio, às 19:00, no Instituto Moreira Salles (Av. Paulista, 2424 – Consolação). A palestra é gratuita e conta com a distribuição de fichas 60 minutos antes do início. Para mais informações acesse: http://outreach.ictp-saifr.org/dialogo/ ou https://ims.com.br/eventos/ciencia-em-dialogo-fisica-e-arte/
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