As estrelas, o universo e um copo de cerveja
Na primeira edição do semestre do Papos de Física, o ICTP-SAIFR convidou pesquisador da USP para desmistificar conceitos de cosmologia
O palestrante, Raul Abramo (IF-USP)
Na cena inicial do filme “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, de 1977, o personagem de Woody Allen, Alvy, é levado em sua infância para um psquiatra por sua mãe. “Ele está deprimido,” ela diz, “é algo que leu.” O médico pergunta a Alvy o motivo de sua depressão, e ele responde: “O universo está se expandindo.” A mãe de Alvy, irritada, grita com ele: “Mas você está no Brooklyn! O Brooklyn não está expandindo!”.
Apesar do efeito cômico da situação, essa cena nos faz pensar, mesmo sem perceber, sobre questões que cosmólogos vêm investigando há anos, como “se o universo está expandindo, o Brooklyn está se expandindo?” ou “o universo vai crescer até colapsar?”. Essas e muitas outras questões foram respondidas (ou pelo menos discutidas) por Raul Abramo, pesquisador do Instituto de Física da Usp, na primeira edição desse semestre do Papos de Física.
O Papos de Física é um evento de divulgação científica organizado pelo ICTP-SAIFR, instituto de física teórica localizado no prédio do IFT-Unesp. Uma vez por mês, o instituto convida um físico para trazer temas atuais de física teórica em um ambiente informal para o público leigo em palestras de vinte minutos, seguidos de debate com perguntas por parte da platéia. Nesta edição,o evento lotou o Tubaina Bar (Rua Haddock Lobo, 74, Cerqueira César, São Paulo) com a palestra “Afinal, o que está escrito nas estrelas?”.
Abramo iniciou a palestra contando a história do palimpsesto de Arquimedes, um texto do filósofo e matemático grego que permaneceu inédito até o final do século XX, quando foi descoberto por trás de um livro de rezas medieval, graças a técnicas de raios X. O texto havia sido lavado do pergaminho para ser reutilizado. “Assim como os historiadores e geólogos estudam diferentes camadas de tempo num mesmo substrato, os cosmólogos fazem o mesmo ao olhar o universo”, disse, se referindo às imagens feitas pelo telescópio espacial Hubble.
A imagem Hubble Ultra Deep Field
Essa imagem, conhecida como Hubble Ultra Deep Field, é a fotografia de uma pequena região do espaço, na constelação de Fornax, feita ente 2003 e 2004. “As galáxias parecem todas próxima, não? Mas na verdade estão muito distantes, tanto no espaço quanto no tempo”. Isso acontece, pois a luz que sai das galáxias até nós foi emitida em períodos diferentes, mas é captada no mesmo instante, e a imagem produzida só possui duas dimensões, não levando em conta a profundidade. Com esse tipo de conhecimento, os cosmólogos são capazes de estudar o tamanho e a história do universo, pois, como disse Abramo, “quando olhamos para o céu, olhamos para o passado”.
Após essa pequena introdução, foi aberta a sessão de perguntas para a plateia, que se mostrou especialmente curiosa em relação à misteriosa matéria escura, que ainda não foi detectada experimentalmente por não interagir com a matéria que conhecemos, mas compõe 80% de toda a matéria do universo. O próprio nome “escura” vem do fato de não ter sido enxergada, porém no modelo atual do universo e das partículas, sua presença corrobora observações que vão contra o esperado. “Se a gente olhar mais atentamente para essa imagem, podemos ver que as galáxias não estão distribuídas aleatoriamente, mas, sim, formando pequenos agrupamentos”, provocou Abramo. A força da gravidade, considerada uma força fraca pelos físicos, não seria suficiente para manter essa distribuição, e é aí que entra a teorética matéria escura, que exerceria uma força forte o suficiente para causar isso.
Além disso, a curiosidade do público foi tão grande acerca de outros temas de cosmologia que a conversa continuou depois do fim do evento. Dentre os temas de interesse estavam a formação de átomos na natureza e a expansão do universo.
Como Abramo explicou sucintamente, os átomos são formados nos núcleos das estrelas, onde há energia suficiente para realizar um processo de fusão nuclear. Ou seja, no interior das estrelas existem prótons, nêutrons e elétrons soltos, se movendo aleatoriamente, mas, ao se chocarem, se mantém unidos por uma energia de atração, formando o átomo mais simples, o de hidrogênio (composto de apenas um próton e um elétron). Porém, esses átomos também se colidem, formando átomos cada vez maiores até chegar no ferro, composto de 26 prótons, 26 nêutrons e 26 elétrons.
“E os átomos mais pesados que o ferro?”, perguntou um membro da platéia. Neste caso, respondeu Abramo, é necessária uma energia ainda maior, encontrada apenas numa supernova, a explosão que caracteriza a morte de uma estrela. Por serem um fenômeno relativamente raro, átomos mais pesados, como o de urânio, por exemplo, são mais difíceis de ser encontrados do que, por exemplo, o de hidrogênio.
“Mas e o Brooklyn,” o leitor pode estar se perguntando, “está se expandindo mesmo?”. Essa é uma ótima pergunta, que os cosmólogos também se debatem sobre, mas Abramo confirmou para o público que nesse caso, o Brooklyn continuaria bem. Na expansão do universo, são as galáxias que acabam se distanciando, porque a atração gravitacional é muito fraca entre elas. “Nós, aqui na Terra, estamos bem, mas em alguns milhões anos veremos todas as galáxias muito distantes de nós.”
A próxima edição do Papos de Física acontece novamente no Tubaína Bar, no dia 14 de setembro, e trará Nathan Berkovits, diretor do ICTP-SAIFR, com a palestra “Teoria das supercordas: sucessos e problemas em aberto”. Para mais informações, acesse: http://ictp-saifr.org/papos/